Os filhos do silicone

Há poucos dias, uma menina portuguesa de apenas 11 anos, a lutar contra um cancro cerebral, realizou um dos seus maiores sonhos: conhecer Cristiano Ronaldo. Com a ajuda do pai, da solidariedade de um jornal e da generosidade de quem ainda acredita que o impossível pode acontecer, a jovem foi levada até Munique, onde a Seleção Nacional se encontrava. Lá, frente ao seu ídolo, viveu um momento de luz no meio da escuridão, um instante de felicidade pura, arrancado à dureza brutal da doença.

Histórias como esta comovem-nos porque nos lembram do que é real: a fragilidade da vida, a força dos laços humanos, a beleza dos gestos autênticos. Lembram-nos que, mesmo num mundo tantas vezes indiferente, ainda há espaço para a empatia, para o amor concreto, para a verdade do toque e do olhar.

E, no entanto, esse mesmo mundo é também palco de fenómenos que parecem desafiar toda a lógica emocional. Vivemos numa sociedade onde, ao mesmo tempo que crianças reais enfrentam batalhas que nenhum adulto suportaria, há quem, à falta de sentido, escolha responder à dor com fantasia e plástico.

E nestes momentos temos mesmo de perguntar: o que se está a passar com o mundo? Em que momento é que a civilização decidiu que fingir que uma boneca, por mais hiper-realista que possa ser, é um ser humano seria algo normal, aceitável e até terapêutico? A histeria coletiva em torno dos bebés reborn é mais do que uma moda bizarra. É um sinal claro de colapso mental, um surto psicótico autorizado, estimulado e transformado numa indústria. A febre por estes bebés reborn é o retrato mais perturbador da falência emocional e espiritual do nosso tempo.

Uma geração inteira, órfã de sentido, anestesiada pela solidão e pelo niilismo, passou a substituir filhos por bonecos e a chamar a isso “amor”. Mas isto não é amor, não é arte — é loucura, é a negação violenta da realidade. Adultos, no pleno uso das suas faculdades mentais, dão biberões a pedaços de silicone, trocam fraldas limpas a bonecos sem órgãos, choram por olhos de vidro e dizem com orgulho que são mães reborn.

Não estamos perante um fenómeno cultural — estamos perante uma epidemia psíquica, um surto psicótico autorizado, estimulado e transformado em indústria. E essa indústria lucra, os especialistas calam-se, os influenciadores promovem, e a sociedade ri e aplaude uma insanidade disfarçada de ternura. Fazem-se chás de bebé, sessões fotográficas, certidões falsas, boletins de vacinas imaginários, criam-se creches para bonecos, pagam-se psicólogos para legitimar o surto em nome da empatia.

Estamos perante a grande falácia do século: transformar um comportamento psicótico numa forma de enfrentamento emocional, como se simular a maternidade com um cadáver de borracha pudesse curar o vazio existencial, a dor da perda, a solidão extrema. Isso não é cura — é um afundar ainda maior na alienação, um afago falso no desespero real. Esta é a humanidade do século XXI? Que mata bebés no ventre da mãe, mas chora por bonecos; marginaliza a maternidade real, mas endeusa a maternidade reborn de bebés artificiais; abandona filhos de carne e osso, mas embala bonecos frios com amor histérico?

Enquanto isso, crianças reais são abandonadas, sequestradas, violentadas e esquecidas. Investimos milhões em brinquedos para adultos emocionalmente desequilibrados, que desejam uma maternidade sem dor, sem esforço, sem vida. O bebé reborn é o filho sem alma, a maternidade sem sacrifício, o afeto sem risco. É o útero estéril da pós-modernidade. E o mercado agradece. Cria enxovais, berços, consultórios, creches para bonecos, demoniza a dor e vende a insanidade como consolo. Transforma-se o colapso psíquico num estilo de vida.

Isto não é apenas uma doença emocional — é um culto macabro, um ritual moderno que sacrifica a realidade no altar da fantasia. Porque a realidade dói. Porque o mundo perdeu o sentido. Porque é mais fácil amar o que não exige nada do que enfrentar o caos humano.

Este fenómeno não é individual, é coletivo. É um sintoma de uma era doente, de uma geração infantilizada, incapaz de lidar com perdas, mortes, desafios, ausência, dificuldades e frustração. O bebé reborn é a antítese da vida — é o amor sem reciprocidade, o cuidado sem risco. Estes bonecos são a imagem mais perturbadora de uma humanidade que prefere viver no faz-de-conta do que encarar o peso insuportável das suas perdas. E o mais grave: ninguém quer discutir isto, porque dá lucro, porque rende cliques, porque conforta a insanidade.

Estamos a normalizar o anormal, a romantizar a loucura, e quando a realidade for finalmente insuportável para todos, o bebé reborn será apenas mais um dos muitos altares onde a sanidade foi sacrificada.

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