Deixem os miúdos em paz

Anda meio mundo a queixar-se dos miúdos de hoje: que não têm iniciativa, que se aborrecem com tudo, que não querem saber de nada… esquecemo-nos de que foram e estão a ser educados por nós. Pela geração que teve maior qualidade de vida do que os seus pais, que estudou mais e que começou a ter maior consciência do impacto dos pais nas vidas dos filhos. Vai daí, damos tudo o que têm direito e, ao mesmo tempo, tiramos-lhes quase tudo o que é realmente importante nesta vida.

Só por nascerem, têm o kit completo premium: mochila de marca todos os anos, com cadernos da moda, motorista disponível 24h/dia, roupa com as tendências do minuto, sapatilhas de várias cores e feitios, férias divertidas com os amigos para desfrutarem da vida, isenção de tarefas domésticas para que gostem de estar em casa, dentes e um fit dignos de estrelas de cinema. Chamamos a isto amor. Duvido que seja a melhor forma para os preparar para a vida. Não é isso que os fortalece. Não é isso que os vai fazer gostar mais de nós (eu sei que é isso que nos atormenta mais: garantir que os nossos filhos sintam que gostamos deles, pois muitos de nós não sabem o que isso é).

Daquilo que tem sido a minha experiência nos últimos cinco anos: os jovens (desde pré-adolescentes até à idade ativa) estão mais frustrados do que nós, porque sentem falta do mesmo que nós sentimos, com a agravante de terem acesso fácil à (des)informação. Como qualquer ser humano, desejam ser ouvidos por nós, adultos, sem gozo, sem desvalorizar o que estão a passar, sem pressa, sem julgamento. Sentem falta de conquistar, de tempo e espaço para falhar, de se frustrarem e tentarem outra vez, de se superarem com o próprio esforço. E como não têm de fazer esforço, também não encontram sabor. Nem sentido. Não é falta de inteligência ou aptidão. É urgência em criar estratégias para formar opiniões, tomar decisões possíveis com as ferramentas que têm. Para se levantarem do erro, seguirem em frente e, mais tarde, rirem-se disso. Deixem-nos, pelo menos, preencher o nome, a morada e os dados do cartão de cidadão num formulário qualquer, que tratem do processo de matrículas, que marquem os exames, que fiquem por justificar as faltas dadas por irresponsabilidade ou desinteresse. Faz-se por eles para os safar, mas estamos a safá-los de quê, exatamente? Estamos a passar-lhes um atestado de incompetência e eles estão mesmo a acreditar nisso.

Às vezes acho que nos esquecemos de como foi ser adolescente. Uma amnésia seletiva. Vão lá ouvir a música do Rui Veloso outra vez, se faz favor.Imaginem que nos davam a escolher, quando adolescentes, que tipo de pais nos fariam melhores pessoas? 1. Os que davam tudo, defendiam-nos sem qualquer critério, mas também não nos conheciam de verdade, não ouviam nem sabiam pelo que estávamos a passar? 2. Os que “puxavam” por nós, que nos deixavam tentar e errar, que acompanhavam (de longe) nas dificuldades e celebravam cada pequena conquista como se fosse uma medalha de ouro?Sabemos bem a resposta, mas esquecemo-nos dela quando estamos do lado de cá. Porque dói, sim. Educar dá trabalho e, às vezes, é um tiro no escuro.

Isto não é um “no nosso tempo é que era”. É um alerta. Porque estes miúdos serão os adultos com os quais os nossos filhos terão relacionamentos, os que vão — ou já estão — no mercado de trabalho, os que educarão os nossos netos e vão tomar algumas decisões por nós quando formos velhinhos. Eu cá já me começo a preocupar com estas coisas.

Leave a comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *