Está assim o mundo. E a impossibilidade de nos relacionarmos uns com os outros, aceitando o que não é igual a nós. E a incapacidade de receber o diferente como enriquecimento daquilo que nos foi oferecido. Está assim o mundo e estamos nós, nos mundos em que vivemos – as nossas casas, as nossas comunidades, os nossos lugares. Tudo tem de estar à nossa imagem e semelhança, porque só nós importamos, nos agoras que a vida vai tendo. O resto que se.
Dizia-me a minha amiga A. que se está a perder a qualidade da pessoa humana, que é por isso que as relações falham. Onde fica a bondade, no meio desta história? E o cuidado com os outros? E a compaixão, essa vida partilhada com amor? Onde fica o meu olhar no outro?
Hannah Arendt chamou a atenção (e isso a partir da trágica vivência da experiência nazi) para a falta de sentido da banalidade do mal. O ser humano não é assim. É bom. Tem em si um cofre de dons e de talentos que lhe foram dados gratuitamente. Tem de os pôr a render e, desse modo, aceitar os dons e dos talentos dos seus irmãos de espécie, aqueles a quem chamamos outros e que são diferentes de nós, mas tão dignos como nós, porque herdeiros da mesma riqueza.
O que nos aconteceu, enquanto humanidade? O que fizemos da nossa dignidade? Porque teimamos em destruir as ligações com o mundo, com a natureza, com a Vida, aqui entendida como princípio? O que fizemos do nosso coração? O Papa Francisco deixou-nos estas palavras, na encíclica Dilexit nos (Papa Francisco, 2024, 9):
“Neste mundo líquido, é necessário voltar a falar do coração; indicar onde cada pessoa, de qualquer classe e condição, faz a própria síntese; onde os seres concretos encontram a raiz de todas as outras potências, convicções, paixões e escolhas”.
Talvez seja preciso voltar a procurar o lugar do coração. Ele tem uma janela para Deus, o Amor, o Próprio, e para os outros, nossos irmãos de caminho. Talvez seja preciso regressar ao ponto de partida. Afinal, somos feitos à imagem e semelhança de um Ser Maior e a minha imagem e semelhança tem o mesmo valor da imagem e semelhança do outro que vive ao meu lado. Cada um de nós é apenas uma partícula desse Maior, mas, juntos, somos capazes de nos aproximar Dele…
E sim, falamos de amor, neste que é o mês do Coração de Jesus. Falamos de irmãos. Falamos de liberdade. Falamos de dignidade e de nós, que somos muito mais do que eu. Talvez ande por aqui perto o caminho da esperança. Ou a salvação da humanidade.