Livra-te!

Livra-te, que Eu te livrarei, disse Jesus Cristo. Portanto tu sabes o que é certo e o que é errado; não faças coisas tontas, para não me envergonhares a mim nem a teu pai, que eu dou-te uma malha que é preciso te pôr de molho no vinagre” – palavras santas de minha mãe. E livrar-me de todo o mal era poder corricar a casa das pequenas, mas não mexer em nada nem trazer nada para casa. Isso seria uma grande desonra para o pai e para a mãe, “o que está está, não se mexe, não é nosso, não faz falta à gente”. Este ensinamento sempre me acompanhou ao longo da vida. Hoje, para dizer a verdade, uma vez por outra, eu roubo, uma folhinha ou uma pontinha de flor do caminho, mas sempre com as palavras de minha mãe a baterem vigorosamente na minha cabeça, de tal modo que, quando chego a casa, falo com o meu furto e digo “tu não vais te arrepender de viver e crescer aqui comigo, porque eu vou tratar bem de ti”. Pois! Bem me disse a Maga que a sua tita Tata tinha dito um dia “Olha a choné de Sílvia”, ao que eu respondi “Não faz mal, tua tia também é choné”. Só depois, fui procurar o significado da palavra, como faz o filho do Gomes, a propósito de “inócuo”, no conto “A palavra mágica” de Vergílio Ferreira. “Choné” é “amalucada”. Sim senhor, pode ser. Não quero é pecados para cima de mim, que quero dormir descansada e poder rir com toda a gente à vontade. Sobre isto, de se portar ou não com esmero, ainda tenho mais uma tolice para contar: um dia aconteceu eu aprovar uma ata de Conselho de Turma e uma colega ter ficado zangada comigo, porque o documento dizia coisas desagradáveis que ela tinha dito na sua intervenção. E andámos nisto de costas viradas tanto tempo. “Mas foi o que tu disseste” e ela “Não se põe uma coisa destas na ata”. Até que um dia, claro, tinha de ser, eu tomei a iniciativa – que diabo, ela tinha razão de estar reinando comigo, e entrei na sala dela, depois da aula. Conversa puxa conversa, culpa e desculpa; explicação daqui e dali e foi quando ela disse “Não aceitei, vindo de ti, uma desfeita destas, porque tu não és corrupta, não andas a lamber botas a ninguém, não fazes por agradar a gregos nem a troianos, não ganhas nada com isto, és minha amiga e aceitas que se diga todo o mal que eu disse, numa ata, num documento oficial?” Foi então que eu, sentidamente, pedi desculpa e selámos ali a nossa amizade com um abraço de amigas, aquele abraço que também acontece, por exemplo, entre irmãos ou entre primos ou entre gente, mesmo desconhecida, mas que, por alguma circunstância momentânea, se olha fundo nos olhos e com olhos de ver. “Não é vergonha nenhuma pedir desculpa; vergonha é roubar” – ditos antigos, aprendidos à chapada ou com histórias verdadeiras contadas à noitinha; ou com lições de moral e provérbios; ou então, maravilha das maravilhas, com aqueles livros que tanto nos ensinavam e nos levavam em viagens por esse mundo de descoberta entre o bem e o mal.

A propósito destas histórias todas, meu primo acontordia disse que há pessoas que não são más, mas fazem coisas más, porque são tontas e não têm noção do mal feito e por isso não pedem desculpa. Pois pode ser, mas mais cedo ou mais tarde, esses entes vão levar uma ensinadela da vida para aprenderem. “Não aprendes a bem, vais aprender a mal”.

A última deste aranzel, ouvi-a ainda agora num nadinha de bilhardice de terreiro. Numa ponta, uma falava bem de fulano tal, que era uma criatura amiga de toda a gente, prestável e sincera, não fazia mal a uma mosca. Da outra ponta, a outra voz respondeu “Pena é que nunca se corrigiu ao longo da vida”.

Aí está a grande verdade: viver é escolher!

Sílvia Mata escreve ao domingo, de 4 em 4 semanas.

Leave a comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *