Nos nossos dias, o sofrimento humano é manchete diária, transmitido em horário nobre entre a normalização da dor e o scroll da indiferença. Genocídios, guerras, fomes, desigualdades extremas. Ajuda humanitária que já nem chega, que é barrada às vítimas do genocídio. Vozes que gritam em vão enquanto poderosos contam lucros e dividem mercados. No meio dum mundo cansado e ferido, ergue-se tal como um farol à noite, o legado de Francisco: amor, paz e ajuda ao próximo. Um amor que não morre, um compromisso que não se esgota.
Francisco ensinou-nos que olhar para baixo só faz sentido para ajudar quem caiu a levantar-se. Que a verdadeira força está na compaixão e a verdadeira coragem está na entrega. Que “todos, todos, TODOS” — como proclamou nas Jornadas Mundiais da Juventude — têm lugar na mesa da dignidade humana. Sem exceções, sem exclusões.
O seu legado é também um grito de alerta para as grandes batalhas do nosso tempo: a luta contra as alterações climáticas que ameaçam os mais frágeis; o combate contra os populismos que erguem muros de medo e intolerância; a rejeição das guerras comerciais onde poucos enriquecem enquanto milhões perdem o pouco que têm. Francisco não separou a fé da justiça. Não isolou a espiritualidade da ação. Pelo contrário: pediu-nos que transformássemos cada metro quadrado do nosso mundo num espaço de amor e cuidado.
Hoje, os ricos estão cada vez mais ricos, e os pobres, cada vez mais sem menos. A distância entre quem tem demasiado e quem não tem o mínimo já não é apenas uma estatística: é uma ferida aberta na nossa consciência coletiva. E perante este cenário, Francisco perguntou-nos — e continua a perguntar-nos — qual será o nosso legado enquanto Humanidade?
Será que ficaremos presos a palavras vazias, a indignações passageiras, a solidariedades de ocasião? Ou seremos capazes de nos comprometer, verdadeiramente, com uma mudança real, começando em nós, na nossa casa, na nossa rua, na nossa cidade?
Num mundo seduzido pelo individualismo e pela superficialidade, Francisco desafiou-nos a construir pontes, a cuidar da Casa Comum, a proteger os invisíveis. Mostrou-nos que a esperança não é esperar que “outros” resolvam, mas agir com o que temos, onde estamos. Recordou-nos que cada gesto de amor, por mais pequeno que pareça, tem um valor eterno.
Olhando para trás, a história não nos julgará pelas grandes declarações, pelos discursos apaixonados nem pelas cimeiras. Julgar-nos-á pelas mãos que segurámos, pelas vidas que tocámos e pelos rostos que ajudámos a erguer. O amor que Francisco semeou não foi feito para terminar com o seu tempo entre nós. Esse amor continuará a viver, forte e terno, nos corações de todos aqueles que escolherem seguir o seu exemplo.
Num mundo esgotado, Francisco deixou-nos a certeza de que ainda é possível recomeçar. Que ainda é possível acreditar no “todos, todos, TODOS”. Que ainda é possível lutar por um amanhã onde ninguém fique para trás.
Hoje, mais do que nunca, temos de escolher. Não se trata de salvar o mundo inteiro. Trata-se de salvar o nosso metro quadrado. De mudar o nosso mundo — e, por consequência, o mundo de todos. Sou só um? E se 8 biliões de pessoas pensarem assim? A nossa força está na união.
Que o amor de Francisco, o Papa que foi a enterrar, mas nunca a esquecer, continue a pulsar nas nossas ações. E que, inspirados por ele, sejamos construtores de pontes, semeadores de esperança e artesãos da paz. No nosso metro quadrado, seja ele onde for e quanto meça.
O mundo precisa de nós. O mundo precisa de amor. O mundo precisa que, em cada gesto nosso, ecoe para sempre o seu apelo: “Todos, todos, TODOS.”