O país vai novamente a eleições e há algum tempo parece viver numa instabilidade recorrente a fazer lembrar as peripécias da Primeira República. Para quem não saiba, tratou-se do período que mediou entre a queda da monarquia em 1910 e a instauração da ditadura do Estado Novo em 1926.
Num espaço de tempo de 16 anos, caracterizado por convulsões sociais e instabilidade económica e política, o país teve 45 governos.
Em democracia é normal a alternância, a rotatividade do poder e as mudanças são, regra geral, ditadas por crises económicas ou sociais que reivindicativamente provocam crises políticas e o surgimento de novos governos e rumos políticos.
Mas o que agora se torna curioso, e muito preocupante, é as crises políticas e a necessidade de eleições esclarecedoras não resultarem de qualquer crise económica ou social, mas unicamente de crises políticas provocadas pelos próprios agentes políticos que minam os princípios da confiança e da estabilidade governativa.
Parece avultar, na partidarite em que está enredado o sistema político, que mais do que o interesse nacional ou a resolução dos problemas sociais e económicos do país, prevalecem as estratégias eleitorais em que os partidos ufanamente se digladiam numa constante luta clubística de mera conquista do poder pelo poder. Uma espécie de briga de comadres desavindas, em que ora acuso eu, ora acusas tu, de olho nas sondagens e na oportunidade de dar uma qualquer bicada ou criar uma qualquer suspeição ou escândalo público.
Novamente caiu o Governo sem que houvesse qualquer crise económica ou social que o justificasse.
Na nova apresentação a sufrágio dá a ideia de que já não se discutem projectos, propostas ou soluções, tudo se passando como num qualquer reality show, em que se arremessa lama por isto e aquilo, se invocam e discutem minudências e fait-divers que satisfazem o apetite alarve de algum eleitorado, procurando atingir o adversário na sua honradez. Para toda esta insanidade concorrem as poderosas máquinas dos aparelhos partidários e algum fanatismo atávico, bem oleados nas teias da comunicação social e das redes sociais. E nada parece indicar que as eleições permitirão resolver o impasse em termos de estabilidade governativa.
Escusado será dizer que uma qualquer concertação de regime entre os partidos mais votados que permita dar ao país algum alento de estabilidade e solidez reformista está de todo alheada das intenções políticas, porque isso não serve às sedes e aos interesses clubísticos em presença. Enquanto isto, as facções minoritárias vão lançando as suas achas para a fogueira da clubite, em busca de um qualquer protagonismo ou quinhão de poder.
À espreita ficam os agentes populistas que, neste devaneio, encontram terreno fértil para as suas congeminações e apelos ao homem da rua, numa retórica apelativa, simplista e demagogicamente venenosa. E estamos nisto. É também óbvio que quem não quer ser lobo não lhe veste a pele. Se não se lograsse matéria para os aparatos, os mesmos cedo dariam lugar à indiferença ou ao desprezo da razão. O problema é justamente esse, é o arco da governação ter andado sempre enredado na política de umbiguismos e interesses, nas artimanhas e mútuas pulhices que acabam não ficando incólumes.
O problema não está na democracia, não está nos partidos políticos, não está na saudável alternância, o problema está outrossim e unicamente nos agentes políticos e na forma como têm encarado a política e os jogos de poder, desligados do interesse nacional e do necessário despojamento, probidade e sentido de Estado que deve nortear a acção dos homens públicos. E à mulher de César não basta sê-lo, é também preciso parecê-lo.