Mães

Há uma aura quase mítica em torno da maternidade, como se todas as mães nascessem com um dom secreto, uma força invisível que as faz mover montanhas enquanto embalam o mundo nos braços.

A sociedade, desde os primeiros contos de fadas até aos modernos retratos de “supermulheres”, insiste em romantizar este papel – como se amar um filho fosse sempre instintivo, doce e luminoso. Mas, escondida no mito, há uma verdade mais crua, mais bela e mais humana: ser mãe é ser feita de carne e de abismo, de coragem e de cansaço, de silêncio e de grito.

Na literatura, vemos este retrato dual da maternidade.

Em “Ensaio sobre a Cegueira”, de José Saramago, é a mulher do médico que conduz um grupo pela escuridão do mundo. Ela não é mãe biológica das personagens, mas encarna a figura maternal que cuida, protege, resiste – mesmo quando tudo desmorona. Já em “Madame Bovary”, de Flaubert, Emma é mãe ausente, distante, incapaz de amar a filha com a profundidade esperada. É um retrato desconfortável, mas necessário, pois nem todas as mães são sagradas e nem todos os filhos encontram colo.

Em “Beloved”, de Toni Morrison, Sethe é uma mãe marcada pelo trauma da escravatura, que toma uma decisão terrível: matar a própria filha para poupá-la a uma vida de cativeiro e sofrimento.

A maternidade, aqui, é retratada como um amor tão absoluto que ultrapassa os limites da razão; um amor que, num contexto extremo de desumanização, leva ao impensável. A maternidade, assim, revela-se não como um pedestal, mas como um espelho que reflete a complexidade humana.

As mães são, muitas vezes, vistas como heroínas. E são-no. Mas é preciso permitir-lhes serem falíveis. A minha mãe, por exemplo, mulher de coragem serena, que caminha entre o trabalho e o amor com uma dignidade que não grita, mas ilumina, que é feita de sorrisos e incentivos, é uma dessas heroínas discretas. A minha tia, com a sua vontade de viver e a espontaneidade que resolve, é o tipo de mãe que escolhe ser presente mesmo nos momentos em que poderia escolher o descanso.

As minhas avós, raízes antigas, cujas vozes me embalam, são a memória viva de uma maternidade feita de sacrifício e ternura, de mãos calejadas e coração aberto. E a minha madrasta, que rompe com os contos da Disney e desfaz os clichés, é a prova de que maternidade não é uma questão de sangue, mas de cuidado. Em cada atitude, estas mulheres reinventam o significado de ser mãe. Elas são as minhas versões da deusa-mãe: não perfeitas, mas inteiras. Elas mostram que a força de uma mãe não vem de um lugar sobrenatural, mas da sua capacidade de continuarem mesmo quando ninguém as vê.

E é por isso que precisamos de deixar de romantizar a maternidade como um fado dourado e começar a vê-la como o que é: uma escolha, um caminho árduo, uma forma profunda de amor que também conhece o medo, a dúvida e o cansaço. As mães não são anjos. São mulheres. E isso é mais que suficiente.

Hoje, escrevo este texto como quem acende uma vela em silêncio. Em homenagem às mães reais – às que estão, às que partiram, às que erram, às que amam, às que resistem todos os dias, às que desejam profundamente a maternidade e não conseguem. E, sobretudo, em homenagem à minha mãe, à minha tia, às minhas avós e à minha madrasta, porque nas suas histórias vive a essência da maternidade mais pura: aquela que não precisa de lenda, apenas de verdade.

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