O Tribunal Constitucional reiterou hoje que a lei fundamental “não impõe nem proíbe categoricamente” a legalização da morte medicamente assistida, confiando ao legislador “uma margem de ponderação entre os valores da liberdade individual e da vida humana”.
No entanto, numa decisão divulgada hoje, os juízes do Palácio Ratton apontam “lapsos ao legislador” por, entre outras matérias, considerarem que existem partes da lei aprovada pelo parlamento em 2023 que pressupõem que o doente tem o direito a escolher entre suicídio ou eutanásia, quando o decreto estabelece que a morte medicamente assistida só poderá ocorrer através de eutanásia se o suicídio assistido for impossível por incapacidade física.
Sobre o princípio geral da lei, os juízes indicam que o TC “reiterou e aprimorou a sua jurisprudência” segundo a qual “a Constituição não impõe nem proíbe categoricamente a legalização da morte assistida, confiando ao legislador uma margem de ponderação entre os valores da liberdade individual e da vida humana, nomeadamente em situações clínicas marcadas pela gravidade, irreversibilidade e sofrimento”.
Este acórdão surge após um pedido de fiscalização sucessiva de um grupo de deputados do PSD e da provedora de Justiça Maria Lúcia Amaral.
“A posição do Tribunal Constitucional é, pois, a de que a morte assistida, como questão de princípio, é um problema de ordem política, cabendo ao legislador, no gozo da sua legitimidade democrática, arbitrar a tensão perene entre valores constitucionais de sentido contrário neste domínio de vida caracterizado pelo dissenso persistente e razoável entre os cidadãos”, concluem os juízes.
Apesar de ter apreciado “largas dezenas de questões de constitucionalidade”, o TC refere que apenas em três questões se formaram maiorias “no sentido da inconstitucionalidade”.
Em primeiro lugar, o Tribunal considerou que “vários segmentos da lei pressupõem que o doente tem o direito a escolher entre os dois métodos de morte medicamente assistida – suicídio ou eutanásia -, quando, na sua atual versão, a lei só consente a eutanásia se o doente estiver fisicamente impossibilitado de autoadministrar os fármacos letais”.
“No entender do Tribunal, estes lapsos do legislador, numa matéria extremamente sensível, podem criar dificuldades desnecessárias ao intérprete e geram um risco evitável de má aplicação do direito, ofendendo o princípio constitucional da segurança jurídica”, lê-se no comunicado.
Em segundo lugar, o Tribunal declarou a inconstitucionalidade da norma que regula o modo de intervenção do médico especialista na patologia que afeta o doente, “ao não exigir que este seja examinado, ao contrário das legislações estrangeiras que consagram regimes de eutanásia mais próximos do português”.
“No entender do Tribunal, a omissão desta exigência comum põe em causa a idoneidade, objetividade, impassibilidade e confiabilidade do juízo médico de verificação das indicações clínicas da morte assistida, o que se traduz numa tutela deficitária da vida humana e na violação da reserva de lei parlamentar. A inconstitucionalidade desta norma tem por consequência a inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 3.º da lei, uma vez que inquina a própria decisão de legalizar, em determinadas condições, a morte medicamente assistida”, acrescentam.
Por último, o TC declarou inconstitucional a norma que impõe ao profissional de saúde que recusa praticar ou ajudar o ato de morte medicamente assistida o ónus de especificar a natureza das razões que o motivam, por entender que a mesma constitui “uma restrição desadequada, desnecessária e desproporcional da liberdade de consciência”.