O passado repete-se

Hoje, como nunca, o custo da habitação e a falta de casas acessíveis são assuntos que dominam as discussões políticas e sociais na Madeira. De um lado, temos jovens que enfrentam dificuldades em encontrar uma casa própria ou até mesmo em arrendar, devido aos elevados preços. Do outro, uma população residente que vê a sua qualidade de vida comprometida com o aumento das rendas e com a escassez de opções de habitação em várias partes da ilha. Não é apenas uma questão económica, mas também uma verdadeira questão de justiça social, com muitos madeirenses a serem forçados a viver em condições precárias ou a sair em busca de melhores condições. Mas, será este um problema recente? Será que a Madeira nunca enfrentou desafios semelhantes?

Na década de 90, a Madeira enfrentou desafios habitacionais muito semelhantes aos que se vive atualmente. Naquela época, a ilha passou por um crescimento demográfico significativo, impulsionado pela migração de pessoas do continente português, o que resultou numa pressão enorme sobre o mercado imobiliário. Com a procura a crescer, a oferta de habitação não conseguiu acompanhar essa demanda, gerando uma grande escassez de habitação e um aumento dos preços tanto para compra quanto para arrendamento. O que se seguiu foi um fenómeno de especulação imobiliária, com investidores a aproveitar o aumento da procura para valorizar o solo e os imóveis, tornando o mercado ainda mais inacessível para muitas famílias.

Naquele período, o impacto do crescimento do turismo também foi evidente. A crescente valorização das propriedades, especialmente nas áreas mais turísticas da Madeira, fez com que muitos imóveis fossem convertidos em alojamentos turísticos. Esta transformação, que à época já era um reflexo de uma tendência futura, levou à falta de opções habitacionais para os residentes locais. A habitação social foi uma das tentativas do Governo Regional para tentar suprir essa lacuna, com algumas iniciativas de construção de bairros públicos e programas habitacionais. No entanto, as respostas dadas não foram suficientes para resolver o problema da acessibilidade, e o mercado imobiliário continuou a ser pressionado pela falta de oferta.

Esse ciclo de escassez de habitação e aumento dos preços que começou na década de 90 não desapareceu com o tempo. Hoje, a Madeira enfrenta uma situação semelhante, com a população a crescer e a pressão turística a aumentar. A especulação imobiliária e o turismo continuam a ser fatores determinantes na alta do custo de vida, fazendo com que o acesso à habitação seja um desafio crescente. Apesar das diversas medidas para aumentar a oferta de habitação pública e social, o problema ainda não foi completamente resolvido. Na verdade, muitos dos desafios atuais são ecos das mesmas dificuldades que marcaram os anos 90.

A escassez de habitação e a especulação imobiliária não são fenómenos novos para a Madeira, mas sim questões cíclicas que continuam a marcar a realidade local. Hoje, olhamos para a mesma problemática, mas com uma intensidade renovada e com desafios adicionais, como a pressão do turismo, o aumento da procura por parte de investidores e o impacto ambiental da expansão urbana. A diferença é que, nesta década, as vozes em torno da necessidade urgente de soluções habitacionais estão mais fortes do que nunca, e a pressão sobre os decisores políticos nunca foi tão grande. A ponte entre o passado e o presente é clara.

Este ciclo que se repete, com os preços a subir e a oferta a ser cada vez mais limitada, exige uma reflexão profunda sobre o futuro da ilha. O que é necessário, mais do que nunca, é encontrar soluções equilibradas que promovam a construção de habitação acessível, sem comprometer a principal indústria regional que é o turismo, os recursos naturais e a qualidade de vida dos residentes.

A intervenção do Governo nesta crise não pode ser genérica ou superficial. O problema exige uma estratégia bem definida, com medidas específicas para diferentes camadas da população e para as zonas mais afetadas. A precisão nas políticas públicas será o segredo para combater a falta de habitação e o custo elevado de vida, permitindo que todos os madeirenses, especialmente os mais jovens e as famílias de classe média, possam ter acesso a uma casa digna e acessível. A solução passa por um planeamento urbano inteligente, a regulação específica do mercado imobiliário e a promoção de habitação pública e sustentável, com medidas cirúrgicas e eficazes.

A Madeira já passou por esta crise antes, e é fundamental aprender com o passado para evitar que o problema da habitação se agrave ainda mais no futuro.

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