Estava a escrever uma reflexão sobre a atualidade do mundo e pensei: estamos todos feitos ao bife. De súbito, como se alguém verbalizasse o meu pensamento, ouvi exatamente a mesma sentença proferida na televisão. Reparei que era um anúncio com recurso a ditos populares na área da gastronomia e afins e não resisti a enveredar por esse caminho linguístico, mais bem-humorado e menos sombrio do que as perspetivas noticiosas em que me baseava. Eis por onde fui e espero que venham comigo.
Durante a campanha eleitoral, os políticos, cada um puxando a brasa à sua sardinha, falam e prometem; esforçam-se, porque sabem que com papas e bolos se enganam os tolos. Há que convencer o maior número possível de cidadãos, pois, sem conquistar a almejada maioria parlamentar, complica-se a governação e lá fica o caldo entornado, por isso, precisam de votos como de pão para a boca.
Por seu lado, o João, homem labutador e rijo como um pero, habituado a comer o pão que o diabo amassou, tenta entender. Desconfia, porque sabe que a concretização de todas as promessas, algumas difíceis de engolir, seria cara e o dinheiro não dá para tudo e, claro, que não se fazem omeletes sem ovos. Contudo, temendo que o façam comer gato por lebre, fica atento aos debates e vai cozendo as suas ideias em banho-maria. Uns dizem que é melhor assim, outros, assado. Há dias, em que as intenções de um determinado candidato lhe parecem mais confiáveis; noutros, porém, agradam-lhe mais as propostas de outro. Para ele, o que interessa é que ofereçam alguma ajuda para as suas dificuldades, pois a vida não é pera doce. Hesita, fica sem saber em quem votar porque, lá consigo, teme que sejam todos farinha do mesmo saco e questiona se o melhor não seria mandá-los à fava.
Contudo, sabendo que quem manda tem a faca e o queijo na mão, o João faz das tripas coração e vai votar. No cubículo solitário, demora-se a deslizar os olhos pelo boletim de voto, atentando nas siglas e símbolos de cada partido, não vá ele trocar alhos por bugalhos.
Do lado de fora, as vozes vão subindo de tom, o que significa que outros eleitores, impacientes com a delonga, estão a ficar com os azeites. Enervado, João pega na esferográfica, amarrada a um cordelinho, pousada sobre o balcão improvisado da cabine de voto. Mantem-na suspensa, ainda alguns segundos. Tem de decidir: ou, sim, ou sopas. Desenha a cruzinha a preceito na quadrícula, dobra o boletim e dirige-se à mesa sobre a qual está a urna. Feito!
Volta-se para sair e depara-se com a longa fila que, entretanto, se formara à entrada da sala. Perante os olhares pouco amistosos dos eleitores que aguardam a vez, sobem-lhe uns calores e fica vermelho como um tomate. Suspende a respiração e acelera o passo, fazendo votos para que ninguém se atreva a mandar-lhe alguma posta de pescada, porque teria de retrucar. Sim, porque, com ele, ninguém faz farinha.
Já na rua, descontrai, não houve qualquer reparo. Correu tudo bem: sem espinhas! Ainda bem, se não tinha-se arranjado ali uma grande açorda. Com a satisfação do dever cumprido, sente-se leve e fresco que nem uma alface.
Resta esperar pelos resultados. O que for será: guardado está o bocado para quem o há de comer, e ele espera que a comida não lhe falte porque sabe que a fome é negra e, como se diz, casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão.
Caros leitores, como viram, de um registo sério que tinha como propósito, divergi para esta história que afinal foi fácil de engendrar: foi canja!