Ao invés de se assistir a uma peça orquestrada e facilmente esquecível, com risonhos dignatários estrangeiros e chefes de estado visitando um presidente muito educado no Salão Oval foi revigorador testemunhar uma exibição de flagrante grosseria e brutalidade da política de poder que normalmente é desconvizinha das câmaras e, portanto, de repórteres e público.
Os escribas que permaneceram como manequins afónicos enquanto Trump, Vance e Zelensky trocavam golpes retóricos contundentes em vários círculos, esperavam outro dia de trabalho tranquilo e monótono, igual a outros muitos dias de trabalho tranquilos e monótonos.
O papel previsível desempenhado durante pantominas excelentemente coreografadas que têm início à entrada da Sala Oval, começando por gravar o chefe de estado estrangeiro dizendo coisas absolutamente gentis e doces sobre o presidente anfitrião.
Ato contínuo, relatam que o presidente dos EUA e o chefe de estado estrangeiro não disseram coisas nem boas nem doces um sobre o outro.
Depois citam fontes anónimas que apesar de terem feito referências boas e doces um sobre o outro em público, diga-se em abono da verdade, que o presidente dos EUA e o seu visitador, sorridente, se arrenegam.
Como sempre, fiel à sua natureza pouco ortodoxa, Trump e o seu iracundo vice-presidente, derrubaram o roteiro tradicional, intencional ou instintivamente com Zelensky.
É aqui que repórteres e especialistas se evidenciam confusos e desorientados e são obrigados a ter de agir como jornalistas ao invés de estenógrafos.
Parte da repulsa hiperbólica direcionada a Trump não é tanto o produto do que ele exprimiu a Zelensky – já que a sua manifesta aversão pela Ucrânia e seu presidente era notória, mas como e onde ele disse isso na Sala Oval e em frente das câmaras de televisão.
Trump fez as suas repreensões e amedrontamentos, abertamente, enquanto outros presidentes mais discretos e “diplomáticos” o faziam sempre à porta fechada. Drama e conflito dignos de notícia irromperam surpreendentemente na Sala Oval na última sexta-feira de fevereiro, mas em vez de aceitá-los, essas mesmas redes e personalidades recuaram e rotularam como indecorosos e impróprios para o cargo de presidente e para os próprios Estados Unidos.
Além de mentir com uma facilidade patológica e ordenar que outros matem sem um pingo de atrição ou remorso, ser intratável e bruto é um pré-requisito de trabalho de qualquer presidente dos EUA, seja republicano ou democrata.
John F. Kennedy, o primeiro presidente católico dos EUA, convocou a máfia para tentar assassinar o carismático cubano Fidel Castro, e deu o seu aval tácito a um golpe no início de novembro de 1963 de que resultou na queda do governo do Vietname do Sul e no assassinato do seu presidente Ngo D. Diem.
O sucessor de John F. Kennedy, Lyndon B. Johnson, um caipira de dois metros de altura agrediu, fisicamente, funcionários públicos muito menores que o deixavam furibundo.
Corria o ano de 1965, Johnson, convocou o pequeno primeiro-ministro canadense, Lester Pearson a Camp David para uma conversa séria depois que o galardoado Prémio Nobel da Paz, denotou, os bombardeamentos americanos no Vietname do Norte.
Johnson, agarrou Lester Pearson pelos colarinhos da camisa, torceu-o e levantou o primeiro-ministro pelo pescoço e esgoelando-se disse: Tu, urinaste na minha carpete.
Num outro incidente, Johnson, revolto empurrou o então presidente do Banco Federal de Reserva, William Martin, contra a parede por este ter aumentado a taxa de juros contra a oposição e sem autorização de Johnson.
Richard Nixon, deu ordens à CIA para bloquear, frustrar, minar e desestabilizar o presidente socialista chileno, Salvador Allende, e o seu devasso antissemitismo, faz com que os comentários inflamados de Trump feitos a Zelensky pareçam moderados em comparação.
A conduta de Trump para com o colega ucraniano, não foi fora do comum, o que quer dizer que Trump não foi uma exceção.
Foi a regra.