É a tua mão que seguro quando preciso de reconstruir o mundo e a minha boca permanece muda; e o meu corpo já nem luta nem é triste. É a tua mão que me olha e despe para sempre, agora que a lama desce até ao mar onde se extinguiu já toda a profundeza.
É o teu corpo que me derrota sem glória, em paz e por fim, sendo ele a casa e o reino, a trégua e a flor sem lastro, para que caiam todas as explicações e os inúteis ensaios sobre vida e morte. É o meu corpo inclinado sobre a sombra profundíssima do teu nascimento, recusando todas as horas e todas as glórias. O meu corpo inacabado sem fulgor. O desejo só, ou uma flor rasa que nos entra pela pele quando Deus nos devolve à melancolia da criação; desaparece, e a espera, então, se impõe, como uma urtiga que se reconstitui ao tocar a mão.
Agora não. O silêncio perfura mais do que a espera e está, ainda, incompleto por detrás da alegria. Pousa na garganta como um espanto que vem das árvores, uma palavra líquida escorrendo pela face, um ímpeto que implode do abalo da mão, empurrando para dentro o mar.
É a tua mão ou a minha sombra esta escarpa?
Os corpos são para sempre embrionários, e é inevitável a paciência, são inevitáveis as longas horas depois de todo o tempo para que um corpo se refaça sem o peso do fim. É terrível não existir a beleza. Sabê-lo.
O céu acende a floresta, e é legítima essa luz que trepida sobre as nossas cabeças. Amanhece um frio primitivo onde reconhecemos cada uma das nossas mortes sem o dedo de Deus. É a tua mão. Há este esplendor misturado no silêncio que persiste no meio de nervuras incalculáveis, na queimadura e na desarrumação do tempo, no movimento da mão que não teme o suor rápido da testa que se lhe entrega, mesmo se a alegria é uma trégua e a linguagem se esvai. É preciso marcar esse momento desde a raiz profunda, desde a inocência e desde a desordem. Não escrever nem dormir onde a tua mão me basta.
Susana de Figueiredo escreve à segunda-feira, de 4 em 4 semanas.