Num mundo sempre mais paranoico – ameaçado por uma espécie de Internacional de extrema direita autocrática, que mede as nações pelo poder que têm e pelas demonstrações de força que são capazes de realizar, com os valores do pluralismo e da dignidade reduzidos a pequenas notas de rodapé, numa demonstração de ignorância histórica – nunca os valores da igualdade social, da aceitação das diversidades e da coesão foram tão importantes. Nas mãos de cretinos ditatoriais a oriente e, agora também, a ocidente, que se acham acima da lei e dos homens, os valores democráticos e do socialismo são essenciais para enfrentar tempos difíceis.
Face a uma conjuntura que se afigura extremamente volátil e que nos afetará a todos, económica e socialmente, será fácil destruir o conquistado. As regiões mais frágeis, como é o caso das periféricas, cuja riqueza se constrói apenas sobre uma ou duas atividades fortes, sem diversidade de investimentos, serão as primeiras a senti-lo. Está suficientemente provado que são estas as primeiras a sofrer as vagas das crises mundiais, já que são o turismo e a construção as atividades mais frágeis quando as conjunturas internacionais são adversas.
É por isso que devemos apostar na estabilidade, na responsabilidade, num compromisso com a igualdade de oportunidades, apoio à classe média como motor da economia e desenvolvimento, investir na educação, na ciência e nas indústrias tecnológicas e criativas ao mesmo tempo que se reforça a autonomia política, regional, social e individual. Não nos enganemos, não escondamos a cabeça na areia, os ventos são-nos desfavoráveis e o que hoje parece dourado, amanhã pode já não existir.
Se o setor privado trabalha para a sua sobrevivência e sucesso, investindo e garantindo o que a si diz respeito, o Estado é o garante de todos e, por isso, aquele a quem se vai pedir responsabilidade e capacidade para manter o bem estar social, a coesão, a aposta num desenvolvimento équo. Porque ao Estado se pede que pense no conjunto da sua população, ambiente, saúde, habitação, em clima de liberdade e fraternidade.
Em 2023, participei num livro coordenado pelo Prof. Gian Giacomo Ortu sobre a autonomia como valor ético e político, sob o espírito do socialista Emilio Lussu, ideólogo e legislador a quem se deve o quadro das autonomias regionais. Natural da ilha da Sardenha, baseia a autonomia na ideia de que só ela é capaz de concretizar a justiça social, a transparência na defesa do interesse público sem deixar cair a diversidade das regiões periféricas, fazendo ouvir as suas necessidades. Acima de tudo, alicerça a autonomia regional na autonomia individual, isto é, no empoderamento de cada um de nós e na liberdade de ser alguém sem medos, sem clientelismos, sem prescindir dos seus sonhos.
Nascendo da constatação dos privilégios e das disparidades crónicas, a autonomia nunca pode ser absolutista ou pertença de um, porque é nossa. Recupero Lussu vertido em lei: a autonomia declina-se como diferenciada, é moral e ética, reivindica os próprios direitos, é produto da construção do povo, entendido como conjunto de pessoas e não como uma amálgama amorfa, tem capacidade de autodeterminação, é respeitadora do outro.
No livro que referi, encontram-se diversas contribuições que vale a pena salientar: a ideia de que a autonomia parte de baixo para cima, é uma solução que serve as regiões, não pode ser uma profissão ou lugar de poder, estar refém de um partido ou grupo, deve estar atenta às questões internacionais e ter um papel não só nas políticas nacionais, mas também mundiais, deve ser laica, sem confusões entre Estado e Igreja. Tendo vivido duas guerras mundiais, Lussu forja as autonomias regionais nos seus escritos em pleno clima bélico, como força de luta pelo homem, ciente de que existe um combate entre o bem e o mal que só pode ser vencido no respeito, no cuidar de todos para todos.
Num mundo onde sopram tempestades que podem trazer conflitos terríveis à humanidade, grandes desafios sociais e económicos, a nossa autonomia deve ser capaz de reagir e de agir, na consciência de que cada homem conta, cada casa conta, cada diploma conta e cada empresa conta. Só assim, livre de donos que pensam de cima para baixo, sem ouvir quem a constitui verdadeiramente, será motor vivo capaz de enfrentar tempos turbulentos.