Chamados hoje às urnas para legislativas na Alemanha, vários eleitores ouvidos pela Lusa em diferentes zonas de Berlim dizem não ter grandes ilusões quanto ao futuro Governo, apontando a ameaça de subida da extrema-direita como principal motivação para votar.
Com a generalidade das sondagens a apontarem para uma vitória dos conservadores da CDU e para uma grande subida do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que deverá tornar-se a segunda maior força política no país, com cerca de 20% das intenções de voto, à frente dos socialistas do SPD do chanceler Olaf Scholz, é mais o receio do que a esperança que parece motivar os eleitores.
Em Neukölln, um dos mais bairros mais multiculturais e populosos de Berlim, onde cerca de metade dos 320 mil habitantes são imigrantes ou têm raízes estrangeiras, sobretudo turcas e árabes – e onde se registaram as maiores manifestações pró-Palestina, que muitas vezes terminaram em confrontos com a polícia -, o denominador comum dos eleitores parece ser mesmo evitar a ascensão da extrema-direita.
Todos os eleitores ouvidos pela Lusa à saída de uma mesa de voto, numa escola na Sonnenallee, admitiram que a sua principal motivação para votar hoje é tentar ajudar a travar a subida da Alternativa para a Alemanha (AfD).
“Esta eleição é muito, muito importante. O clima político atual é muito perigoso e é fundamental que tomemos posição. Receio a subida da extrema-direita, que é um problema um pouco global, mas particularmente assustador aqui na Alemanha, por razões óbvias. A minha mãe é do Kosovo e eu tenho medo por ela”, diz à Lusa a jovem Lona.
De origem síria, Kareem diz recear que o seu voto “não faça grande diferença”, pois “o Governo de coligação que sair destas eleições nunca será aquele que pretendia”, mas considera que é fundamental votar para tentar “enfraquecer a extrema-direita do AfD”, e espera “que haja uma mobilização grande”.
Marc, nascido em Berlim mas de raízes polacas, também diz à Lusa que não tem “grandes expectativas” quanto ao cenário político que vai sair das eleições de hoje e lamenta sentir que não tem “uma verdadeira opção” em termos governativos, mas concorda que as eleições de hoje “são particularmente importantes, face à ameaça que representa a AfD”, e revela mesmo que confiou o seu voto no Die Linke (A Esquerda), partido que nas últimas semanas ganhou um improvável fulgor, impulsionado pela adesão de muitos jovens ao seu discurso contra a extrema-direita.
“Não tenho ilusões de que estas eleições mudem grande coisa, mas espero uma forte mobilização contra a extrema-direita”, corrobora Guillermo, de origem argentina, mais um dos muitos residentes com background migrante em Neukölln cuja principal motivação para se deslocar hoje às urnas é a subida da AfD.
Já na zona de Mitte, centro de Berlim, a votação decorria hoje de manhã na Biblioteca Schiller, sem filas.
“EÌ muito importante votar, tendo em conta o atual clima poliÌtico, para que continue a existir um clima poliÌtico”, defendeu, em declarações aÌ€ Lusa, Elenia, 24 anos.
Ao seu lado, Philip, 29 anos, mostrava-se pessimista: “Os partidos de direita estão a ganhar muita força. Estou a desejar o melhor, mas aÌ€ espera do pior”, comentou.
“A seÌrio?”, perguntou Elenia, com uma gargalhada. “Eu ainda tenho esperança”, comentou.
Lucas, 27 anos, tambeÌm não estaÌ otimista.
“Não espero muito do proÌximo governo, acho que não seraÌ favoraÌvel ao que eu defendo”, comentou, depois de enumerar poliÌticas que considera prioritaÌrias, como fortalecer a União Europeia, apoiar a UcraÌ‚nia, ter uma abordagem mais equilibrada em relação a Gaza e apoiar o investimento com subsiÌdios.
“Estou muito preocupado com a subida da AfD, cujo discurso tem sido normalizado. Algumas coisas que a AfD e tambeÌm a CDU dizem hoje em dia seriam inaceitaÌveis haÌ cinco anos”, criticou.
A questão da migração dominou o debate durante a campanha eleitoral, mas os eleitores consideram que não eÌ o problema mais importante que a Alemanha enfrenta.
“A migração eÌ apenas um dos desafios. Economia, mudanças climaÌticas, poliÌticas sociais não foram discutidas”, considerou Lucas.
“Os ataques [perpetrados por requerentes de asilo] mudaram o foco para a migração, mas não eÌ o maior problema. Os partidos evitam falar sobre economia ou ambiente”, disse Sebastian, 40 anos, que tambeÌm comentou a subida da extrema-direita.
“As pessoas esperam que q AfD não ganhe”, comentou. Sobre o proÌximo governo, e contrariando a tendência, disse ter “grandes expectativas”, pois acredita que “toda a gente quer ver mudanças, não importa para que direção”.
As sondagens apontam para uma vitória da União Democrata-Cristã (CDU), com cerca de 30% das intenções de votos, enquanto o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) surge em segundo lugar e poderá duplicar a votação em relação às eleições federais de 2021, para 20%.
O Partido Social-Democrata do chanceler Olaf Scholz surge em terceiro lugar, com cerca de 15% das intenções de voto, seguido dos Verdes, parceiro de coligação, com 13%. A Esquerda deverá manter-se no Bundestag (câmara baixa do parlamento alemão), subindo para 7%.
Os liberais do FPD, antigo parceiro de coligação do governo de Scholz, não deverão conseguir atingir o limiar mínimo de 5% para entrar no parlamento, enquanto a Aliança Sahra Wagenknecht (BSW, populista de esquerda), criada há um ano, poderá garantir a eleição, se se confirmarem os 5% das intenções de voto atribuídas pelas sondagens.
Sem maioria garantida, o líder conservador Friedrich Merz precisará de procurar parceiros de coligação, sendo o SPD o mais provável.
Todos os partidos tradicionais recusam acordos com a AfD, impondo um ‘cordão sanitário’, pelo que o partido, que candidata a colíder Alice Weidel, deverá tornar-se a principal força da oposição.
Cerca de 59,2 milhões de alemães são hoje chamados a eleger os 630 deputados do Bundestag, numas eleições que foram antecipadas em cerca de sete meses devido ao colapso, em novembro passado, da coligação liderada por Scholz, por falta de acordo em relação à reforma do chamado ‘travão da dívida’ para fazer face à recessão económica que a Alemanha enfrenta há dois anos.