Sem pingo de vergonha

Na Europa ocidental temo-nos habituado à ideia de que a democracia é um regime consolidado e que nada o derrubará. Parece impossível que alguém pense que um partido com maioria absoluta tenha direito a fazer tudo o que lhe apetece, sem cumprir princípios de transparência de processos ou de prestação de contas. Todavia, o que se está a passar nos EUA mostra bem que um sistema democrático pode ser completamente subvertido, mesmo com eleições democráticas. Trump tem conseguido acumular um poder cada vez maior, sem cumprir as indicações dos tribunais e desafiando o congresso. Tem executado tudo o que anunciou na sua campanha eleitoral. Não enganou ninguém. E as pessoas escolheram-no. Despedimentos de milhares de funcionários públicos, encerramento de apoios sociais, à saúde, à educação, às políticas de igualdade, alegadamente para poupar dinheiro público. Por outro lado, baixaram os impostos aos muito ricos, chegando-se ao ponto de bilionários pagarem menos do que pessoas da classe média. Estas medidas estão a ser concretizadas por Elon Musk. E fá-lo de forma que revertam a seu favor. As agências que encerrou investigavam negócios seus, por irregularidades várias, financeiras e não só. Por isso as fechou. Caso encerrado! Simples! Assegura os seus negócios com o Estado, mas recusa o controlo e a transparência exigidos para essa relação. É a política feita sem moral por gente moralista.

As questões da igualdade de oportunidades, do racismo ou dos direitos humanos são causas essenciais à democracia e à liberdade. Nos EUA assistimos ao regredir dessa situação. O avanço civilizacional que foi o de conseguir-se espaços mais representativos, com mulheres, pessoas de diferentes etnias e pessoas com deficiência está colocado em causa. Sabemos que em muitos níveis de representação ainda existe um afunilamento de classe, género ou etnia, contudo, havia um caminho para melhorar essa representatividade. Vendo os seus privilégios em risco, o homem branco argumentou com o mérito para retirar instrumentos criados que ajudariam a ultrapassar muitas das desigualdades.

Em Portugal temos os mesmos sinais. O Chega, partido moralista sem qualquer moral, insultou uma deputada cega da bancada do PS, apelidando-a de “aberração”, “drogada”. À deputada Isabel Moreira disseram que “devias estar numa esquina”, sabendo-se perfeitamente o que isto significa. Já defenderam que uma deputada negra deveria ser devolvida ao seu país de origem. Insultam deputadas usando as suas características físicas. Os valores do respeito, da liberdade, da igualdade não existem para esse partido que anda sempre com a palavra “vergonha” na boca, mas que não possui um pingo dela. Têm a bancada parlamentar com a maior percentagem de gente com problemas com a justiça. De roubo a pedofilia, difamação ou tráfico de influências, nada falta a quem se intitula de “portugueses de bem”. Desejam implodir o sistema democrático e o Ministério da Educação. Usam a mentira e a desinformação. Na Argentina, Milei disse ao que vinha e cumpriu: tem a maior taxa de pobreza de toda a América Latina, para além de já ter sido apanhado em fraude financeira.

Há ainda alguns partidos democráticos que acham que usando o populismo conseguem ir buscar votos a essa extrema-direita moralista sem moral. Há alturas em que temos de saber o que defendemos: aldrabões e populistas ou pessoas/partidos com provas dadas e propostas que defendem os valores democráticos? Quem defende a democracia tem de denunciar estes falsos moralistas que afinal só querem mesmo é chegar ao poder para não terem de prestar contas a ninguém.

Que não nos falte o discernimento no dia 23 de março.

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