O senhor A

Não sabe ler nem escrever, mas conhece o movimento das nuvens e o significado dos rasgos de azul que tem o céu. Não sabe de que matéria é feita a poesia, mas conhece bem os segredos da terra que as suas mãos trabalharam, enquanto a vida permitiu, enquanto a saúde deixou, enquanto. Não sabe assinar o seu nome, mas conhece bem as palavras que o vento canta ao passar.

Pertence ao passado. É (ainda) um homem-terra, plantado no chão que cultivou e que foi fazendo crescer. Calado. Os homens da ilha falam pouco. Economizam as palavras. Guardam a força para a ação.

Levamos o Museu a quem não pode ir até ele. Levamos a liberdade que a arte permite, nestes tempos que não são limpos, porque há sonhos desfeitos atirados ao mar… Encontrei-o, ali, afastado de todos, a observar, em silêncio, o que se passava na sala, que era apenas um ensaio de coisa pequena, num mundo em que as vidas tinham muito mais a dizer do que nós. Tirou a barreta, quando me aproximei dele:

– Meu pai ensinou-me que respeito nunca é muito.

E falou-me do pai. E da vida

– vocês não sabem o que é a vida.

O Sr. A. enrola as palavras no tempo para falar da dureza dos dias, do ritmo doloroso dos braços contra a rocha, da beleza cruel da terra que é mãe – dá o pão e o castigo, dos passos marcados no caminho entre o lugar e o mercado para vender as coisinhas que a fazenda dava, do meio pão com molho para enganar a fome.

– vocês não sabem o que era a vida.

Levanta-se ainda de madrugada para ver o nascer o sol. E reza. Desfia a vida nos rosários que guarda na bolsinha que traz ao peito:

– Tenho cinco terços que me oferecera. Rezo por todos eles.

Não lhe resta mais nada. Os filhos estão embarcados e a terra está lá. Com as memórias.

– Rezo por tanta gente.

– Reze por mim.

– Eu rezo.

-Posso dar-lhe um beijo?

– Pode.

E chorou.

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