Silêncio e tanta gente

É possível haver silêncio em eventos de natureza pública e mediática que envolvem muita gente? Esta semana mostrou que sim. Duas vezes.

1 – O tempo perdido

Houve um tempo, recente, em que ajudar o próximo era um dever maior. Era uma obrigação simples, direta e tão natural como a sede.

A ajuda era apenas a ajuda. Era voluntária e simples.

Depois, a ajuda evoluiu. Passou a ser socorro. E o que era o papel natural da comunidade, passou a ser quase reserva exclusiva da autoridade.

Depois, o socorro evoluiu. Passou a proteção civil. Os bombeiros, que tanto sabiam da arte de apagar fogos como de acartar doentes, passaram a ser especialistas em coisas específicas. Uns tratam dos fogos, outros das feridas e outros ainda dos transportes.

A ajuda passou a socorro, o socorro passou a proteção civil.

A evolução foi tanta e hoje os bombeiros são voluntários, municipais e sapadores. Têm equipamentos como nunca. Foram criadas unidades específicas, estudadas formas de ação, desenhados cursos e definidos regulamentos para evitar atropelos.

A Madeira passou a estar muito bem servida ao nível das operações de socorro e assistimos a um inegável ganho civilizacional facilmente comprovado por qualquer cidadão.

Mas, às vezes, caem nódoas mesmo sobre o pano da mais linda tolha bordada de garanitos.

Foi uma nódoa o que (não) aconteceu no caso do homem que desapareceu a 3 de janeiro, no Faial.

É uma mancha que recai sobre tantos serviços, tantos departamentos, tantas competências, tantas fardas e, talvez por isso mesmo, tantas capelinhas.

O que se assistiu foi a um caso que aparenta roçar o desinteresse coletivo. Mais do que isso: um caso em que cada parte, isoladamente, terá cumprido o seu papel. Mas, todos juntos, deixaram algo por fazer.

A PSP, como manda a lei, assumiu a investigação do desaparecido sem indicação de paradeiro, ou de ferimentos. Os bombeiros terão aguardado ordem de entrada que não terá chegado. A família, os amigos e os vizinhos fizeram mais do que era devido, mas sem sucesso.

E aos dias, somaram-se outros dias. Semanas. Foi quase um mês de sofrimento em que mal se viram bombeiros ou polícias na Fajã Grande.

Até ao dia em que alguém alertou para um cheiro intenso e a Proteção Civil enviou meios apropriados. Em poucos minutos foi descoberto o corpo a 50 metros de casa. Depois desse instante, chegaram autoridades de todos os cantos com fardas de todas as cores.

E agora? Que têm para dizer os diferentes meios de socorro e investigação aos familiares e amigos da vítima?

Certamente foram cumpridos todos os regulamentos. Mas falhou um dos mais básicos ensinamentos: procurar o desaparecido com os meios adequados e disponíveis.

2 – O tempo da justiça

Portugal inteiro já percebeu que de pouco vale clamar por uma justiça mais célere. Até parece que esse pedido, apesar de bastante razoável, resulta justamente no inverso. Quando mais pressa se espera, mais demorado é o processo.

Entretanto, casos mais intricados e de maior visibilidade pública ganham um ritmo condenatório quase imparável, muito à conta do tempo em que os suspeitos ficam suspensos sobre a fogueira acusatória.

A situação mais recente é a do secretário do Turismo. O caso em que estava arguido foi arquivado, mas isso não apaga tudo o que foi dito e escrito e pensado. Muito menos o efeito que teve no complexo xadrez político regional.

Caso semelhante é o de três outros secretários regionais e de um vice-presidente da Assembleia, igualmente envolvidos num caso mediático que parece parado, mesmo que não esteja.

Durante semanas pairou no ar a ideia de que os políticos em causa fugiam à justiça beneficiando de imunidade. Afinal, perderam a imunidade e esperam longas semanas.

Aconteça o que acontecer, não se livram das condenações públicas de que são alvo todos os dias.

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