Quando era pequena, adorava histórias de princesas, bruxas e fadas, mas achava sempre que o ponto em que elas terminavam era onde eu mais queria que continuassem. Aquele “e viveram felizes para sempre”, deixava-me a matutar sobre como seria ser feliz para sempre. Esse era o segredo que eu queria saber, mas que nenhuma história desvendava.
Na minha mente infantil punha-me a imaginar a princesa sempre bela, apaixonada e amada pelo príncipe garboso, justo e generoso. Passariam dias dançando em bailes que animavam o palácio cheio de habitantes igualmente felizes. Nunca me ocorria que a princesa, que fora gata-borralheira da madrasta, pudesse voltar a sê-lo ao serviço do príncipe transformado em machão dominador. Nem tão pouco que se tornasse velha e feia. Isso eram características das madrastas e das bruxas más.
Com o passar dos anos, descobri que vida das princesas de verdade era dura e cruel. Ainda meninas, eram tantas vezes arrancadas da sua família de origem e dadas para casar com príncipes desconhecidos, só porque tal consórcio convinha aos interesses dos reinos. Também não eram sempre bonitas, nem os príncipes belos, valorosos e gentis.
Mas, ainda assim, continuei a gostar de finais felizes. Há quem os aprecie dramáticos e quem os prefira inconclusivos, para poder ajeitá-los ao seu desejo pessoal. Eu, como leitora, prefiro-os ditosos, mesmo sabendo que o final é apenas um ponto que não permanecerá, pois, a vida é uma busca constante. É um aprender contínuo a conviver com medo, coragem, sofrimento, perda, revolta, conquista, descoberta e tanto mais. Além disso, a felicidade é um conceito individual, subjetivo e variável, consoante o momento e as circunstâncias e não livre de influências. Sabemos bem como a sociedade impõe padrões que a maioria das pessoas se apressa a adotar e assim ganhar, não só a sensação de felicidade, mas também de pertença social. Quem não o consegue, sente-se privado de um direito que crê ser-lhe devido, ou culpado pela incapacidade própria, o que pode ser fonte de revolta e desânimo.
Livros, vídeos, palestras, sessões e oficinas que se prometem promotoras de autoestima, e de autoconhecimento multiplicam-se e público não lhes falta. Todos procuram descortinar o segredo que se anunciava no fim das histórias, o tal “ser feliz para sempre”. Não obstante, ter conhecimento limitado sobre estas propostas de ajuda, saber que elas não têm a chave para a felicidade perpétua e que nos podem eventualmente sobrecarregar com culpas, reconheço terem o mérito de chamar a atenção para detalhes que possibilitem abrir uma brecha no muro da desventura em que por vezes nos enclausuramos.
Cada dia anseio mais por enredos felizes, na ficção e no mundo real. Quando termino a leitura de uma história, após ter partilhado as tramas em que estavam envolvidos os vários protagonistas, gosto de os abandonar com a certeza de que as suas agruras findaram. Deixá-los felizes é reconfortante. Sentimos que a justiça foi reposta, os bons compensados e os maus desmascarados e punidos e assim nos é devolvida a esperança num mundo melhor. Neste nosso de hoje, em que assistimos a horrores que pensávamos irrepetíveis e somos surpreendidos pelo, até há pouco insuspeitável, surgir de personalidades, grupos e movimentos disruptivos que prenunciam abalar o que nos é familiar, e conscientes de que o progresso das ideias e dos princípios não é irreversível, acho que precisamos muito de crer em finais felizes.