Com o tradicional “bom ano” desejo que tenhamos a possibilidade de viver e crescer num verdadeiro lar, em vez de viver apenas numa casa. É num lar que fazemos as memórias que nos constroem.
Ouvi, como sempre, este Natal: “O Natal já não é o que era”.
E porquê? Porque já não é na casa da avó ou na casa da mãe. Para além de ser associado aos cozinhados das mulheres — a avó, a mãe — elas faziam refeições, durante horas, que juntavam toda a família. Essas casas parecem ser eternamente especiais: os cheiros, as decorações. Casas com ou sem aquecimento, mas sempre quentes. Comida simples ou mais elaborada, mas que nenhum chef Michelin parece conseguir superar. Prendas simples, mas que valiam tanto.
Isto porque estas casas eram sentidas por nós como um lar.
Temos problemas mundiais de habitação, e talvez por isso quero falar deste tema.
É importante ter uma casa, mas é ainda mais importante conseguir transformar essa casa num lar.
A minha mãe desejava saúde e paz às pessoas que a rodeavam. Sempre percebi a questão da saúde. Mas desejar paz, só compreendi quando me tornei adulta.
E queria começar por aqui: o que para mim transforma uma casa num lar é nos sentirmos em paz nessa casa. Em crianças, não somos responsáveis por fazer essa paz, mas, em adultos, sim. E, se tivermos filhos, somos responsáveis por lhes dar um sítio onde haja paz. Só na paz sentimos os cheiros, os sons e os sabores e criamos boas memorias.
A construção de um lar não está relacionado com o valor da casa que foi transformada em lar. Nos bairros mais pobres pode haver mais lares do que nos bairros mais ricos.
O mundo está confuso, talvez porque invejamos o luxo em vez de invejarmos a paz?
Há uns anos, vi uma entrevista de um construtor de casas de luxo da região, onde ele dizia que as pessoas queriam comprar as casas já decoradas. Imaginei-me a mudar para uma casa assim e arrepiei-me. Viver numa casa decorada por outra pessoa? Onde colocaria a jarra que era da minha mãe? Ou a colcha de croché feita pela minha tia?
E as cozinhas? Onde as avós e as mães passavam horas a preparar comida para nós?
Li um artigo onde se previa que, no futuro, as casas deixassem de ter cozinhas. Bastaria uma air fryer, e uma máquina de café…. Acaba o sentar-se à mesa em família?
Os tempos que aí vêm parecem afastarem-se da construção de lares onde crescem e formam-se pessoas saudáveis. Num lar há relação entre as pessoas. Hoje os ginásios são nas horas que devíamos estar em família. Está na moda “marmitas” individuais para “não engordar” em vez de refeições para toda a família. O sucesso é promovido pelo número de horas de trabalho ou de estudo. Pouco tempo para a família? Como vamos construir algo sem arranjamos tempo para isso?
Temos jovens e crianças a precisar de boas memórias para, em paz, se tornarem boas pessoas que tanto parecem fazer falta no mundo. “Comprar feito em vez de fazer” Parece ser uma nova regra, mas sem fazer não construímos nada. Faltam 330 dias para o próximo Natal. Onde podemos ou não acrescentar memórias novas à época onde se festeja a família. Não há famílias perfeitas e podemos comprar tudo, mas um lar só existe se o construirmos.
“Lar: É onde sempre se é bem-vindo; é o refúgio para correr quando tudo fica mal; é o local de maior segurança do universo; é proteção; é nosso; pode ser partilhado com outras pessoas; é melhor quando partilhado; é fazer parte de algo.” (Frase que estava num quadro de loja).