Em Portugal, raras são as vezes em que os políticos ganham dimensão mediática pelas medidas que defendem. O protagonismo que conquistam é emalado em casos e casinhos que deixam transparecer a fragilidade de muitos dos que recebem a confiança do povo.
Na hora do aperto, os representantes da nossa democracia esquecem-se de quase tudo. Compreende-se. É muita bagagem, de facto. Principalmente a pessoal. E quando são despertados para problemas, acabam por se embrulhar em desculpas que não lembrariam a ninguém. Não sabiam, nunca ouviram falar, a família é que paga… os argumentos são diversos, desde que sirvam para nada esclarecer.
Em suma, dentro da mala democrática, não cabe um pingo de vergonha. Antes pelo contrário. Ninguém conhece a lei das incompatibilidades quando são detetadas acumulações indevidas, nem reconhece as dificuldades de quem vive longe da política, mas que merece beneficiar de mais e melhores políticas feitas por gente séria. E são cada vez menos.
Na partidocracia em que vivemos, há espaço para premiar os menos competentes, os que não arranjam problemas, os que seguem o líder sem questionar para onde vão. Não estão lá para pensar, de facto.
Comparecem para fazer número, preencher assentos no hemiciclo e ocupar espaço nas fotografias. Aqui ou ali, divertem-se em convívios politizados. Batem palmas aos líderes até ao momento em que se atrasam e perdem o comboio do partido. Saem de cena e começam a diferenciar-se pela facilidade com que dizem mal de algo com que sempre concordaram.
Por isso não é surpreendente a regularidade com que surgem episódios surreais como os que envolveram o deputado do Chega, Miguel Arruda.
Mais do que escrutinar a acusação que envolve o político açoriano, este autêntico jogo da mala nos aeroportos deixa claros e inequívocos sinais de que muitos utilizam as ferramentas democráticas para concretizar agendas pessoais. Modus operandi que não é novidade, é verdade, mas a boa sorte do senhor Arruda reforça a regra.
Perante a acusação de roubo de malas, o açoriano foi rápido a se desvincular do partido para se manter na Assembleia na condição de não inscrito. Porque o advogado entendeu que é o melhor para a sua defesa. Pouco importa que só lá tenha chegado à boleia do populismo de Ventura. O lugar é seu. Mesmo que não esteja lá a fazer nada. Aliás, Arruda, como está cansado de tanto ouvir falar em malas, arrumou a trouxa e voltou para os Açores, onde vai passear à conta de uma baixa psicológica.
Uma baixa(ria) repetida vezes sem conta e que reflete o nível de muitos dos que diariamente dão a cara pelo regime democrático nacional.
Enquanto se discutem os Arrudas e os Gandras deste País, as malas mais importantes, as que guardam os interesses dos eleitores, permanecem ocultas no sótão dos diferentes hemiciclos. Como a que guarda o estudo sobre a pobreza na Madeira. O prazo de abertura dessa pobre bagagem é prolongado, vai até final de março, quiçá depois das eleições, quando importaria perceber o resultado de um relatório que foi entregue no final de outubro do ano passado. A avaliação e correção das assimetrias sociais não são prioridade? Ou a reflexão pode esperar já que nunca foi feita?