Um manifesto assinado por 50 personalidades incita a um “sobressalto cívico” que obrigue os políticos a efetuar uma reforma da Justiça, sendo o processo da Madeira uma das razões apresentadas.
Conforme pode ler-se nesta carta, citada pela SIC Notícias, os signatários, entre os quais se encontra Rui Rio, “instam o Presidente da República, a Assembleia da República e o Governo, bem como todos os partidos políticos nacionais a tomarem as iniciativas necessárias para a concretização de uma reforma no setor da Justiça, que, respeitando integralmente a independência dos tribunais, a autonomia do Ministério Público e as garantias de defesa judicial, seja inequivocamente direcionada para a resolução dos estrangulamentos e das disfunções que desde há muito minam a sua eficácia e a sua legitimação pública”.
Neste documento, são tecidas diversas críticas, nomeadamente o facto de estas cinco dezenas de personalidades considerarem que a “a Justiça funciona quase inteiramente à margem de qualquer escrutínio ou responsabilidade democráticos, apesar de ser constitucionalmente administrada em nome do Povo”.
Apontam, portanto, que persiste um “sentimento de impunidade”, havendo um “défice dos mecanismos de avaliação interna” e “falta de mecanismos de escrutínio externo descomprometido com o próprio aparelho judiciário”.
”A prolongada passividade perante esta iníqua realidade permitiu que tivéssemos atingido o penoso limite de ver a ação do Ministério Público gerar a queda de duas maiorias parlamentares resultantes de eleições recentes, apesar de, em ambos os casos, logo na sua primeira intervenção, os tribunais não terem dado provimento e terem mesmo contrariado a narrativa do acusador”, aditam ainda os signatários, que não deixaram de recordar os casos de António Costa, cujo governo caiu em virtude de uma investigação, w de Miguel Albuquerque, que também viu a sua maioria com acordo parlamentar com o PAN ser obrigada a ir a eleições anteipadas, após as buscas de janeiro transato.
A este propósito, condenam o modo como tal investigação foi divulgada, bem como a falta de clarificação dos factos: “o país continuou a assistir ao inconcebível, quando, tendo decorrido longos cinco meses entre o primeiro-ministro se ter demitido, na sequência do comunicado da PGR, e a sua cessação de funções, o Ministério Público nem sequer se dignou informá-lo sobre o objeto do inquérito nem o convocou para qualquer diligência processual. Além de consubstanciarem uma indevida interferência no poder político, estes episódios também não são conformes às exigências do Estado de Direito democrático”, lamentam.
As “recorrentes quebras do segredo de justiça” são outro dos problemas identificados, já que, sinalizam, “dão azo a julgamentos populares, boicotam a investigação e atropelam de forma grosseira os mais elementares direitos de muitos cidadãos, penalizando-os cruelmente para o resto das suas vidas, mesmo quando acabam judicialmente inocentados”.
Alvo de condenação são também os “graves abusos na utilização de medidas fortemente restritivas dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, designadamente com a proliferação de escutas telefónicas prolongadas, de buscas domiciliárias injustificadas e, mesmo, de detenções preventivas precipitadas e de duvidosa legalidade”.
Os subscritores falam, assim, numa forma “perversa de atuar”, “com contornos mais políticos do que judiciários” e que “tem produzido um óbvio desgaste no regime e, por consequência, reforça o descontentamento popular e abre as portas ao populismo e à demagogia, tanto mais que muitos processos se eternizam sem conclusão ou acabam sem acusação ou sem condenação judicial”.
É neste sentido que reiteram ser “necessária uma reforma que, embora não desconsiderando as legítimas aspirações dos agentes de Justiça, não seja desenhada à medida dos interesses corporativos dos diversos operadores do sistema, mas que tenha o cidadão e a defesa do Estado de Direito democrático como eixo central das suas preocupações”.
De assinalar que assinam este manifesto também Augusto Santos Silva, Ferro Rodrigues, Mota Amaral, Francisco Rodrigues dos Santos, almirante Melo Gomes, entre outros.