África do Sul corre risco de replicar situação política e económica venezuelana

Os moradores locais esperam na fila durante uma distribuição de alimentos pela ONG Hennops River Revival em uma área de reciclagem de lixo no dia 61 do bloqueio nacional como resultado do Covid-19 Coronavirus, Pretória, África do Sul, 27 de maio de 2020.

A investigadora Anthea Jeffery do Instituto Sul-Africano de Relações Raciais (SAIRR) considerou que a África do Sul corre “sério risco” de acompanhar a Venezuela no plano político e económico.

“Julgo que existe um risco muito grande de podermos seguir o tipo de caminho venezuelano em que as políticas erradas que ameaçam verdadeiramente os direitos de propriedade conduzem a uma grande inflação e a um grande sofrimento económico, e a um êxodo de tantas pessoas que podem sair do país”, salientou.

Em entrevista à agência Lusa, a diretora de pesquisa política do SAIRR considerou que o paralelismo entre a economia da África do Sul, a mais desenvolvida do continente, e a da Venezuela “é mais forte do que com o Zimbabué, que é uma economia agrícola, bem-sucedida nesse aspeto, mas não tão sofisticada como a da África do Sul”.

“A Venezuela era um dos países mais ricos da América Latina antes da chegada ao poder de Hugo Chaves, com a sua crença no socialismo do século XXI e todos os desejos de o alcançar, que incluía a expropriação sem compensação financeira”, sublinhou.

Questionada se a África do Sul construiu um modelo “único” de democracia desde o fim do anterior regime de ‘apartheid’, em 1994, a investigadora sul-africana expressou “receio que a qualidade da nossa democracia não seja o que deveria ser e isto remonta a um período anterior a 1994”.

A investigadora explicou que o ANC “chegou ao poder porque estava absolutamente determinado a alcançar o domínio sobre a África do Sul, porque então seria capaz de prosseguir a sua crença no socialismo, o seu desejo de implementar uma revolução nacional democrática ao longo de décadas, que é o que tem feito”.

“E sempre considerou os partidos da oposição como simples barreiras à revolução que perseguia e tentou eliminar ou enfraquecer os seus rivais negros antes de 1994 e conseguiu fazê-lo significativamente, o que significou que não havia alternativa credível ao ANC quando assumiu o poder em 1994 e, claro, o verdadeiro teste da democracia é saber se é capaz de acomodar uma mudança no poder de um partido para um partido rival e na África do Sul nunca houve qualquer perspetiva disso porque os partidos com maior probabilidade de concorrer com o ANC estavam muito enfraquecidos”, salientou.

Na ótica de Anthea Jeffery, a contagem regressiva para o Socialismo na África do Sul teve início em 1989 quando Joe Slovo, na altura um dos dirigentes mais influentes do Partido Comunista da África do Sul (SACP), publicou um artigo a questionar se o Socialismo “falhou” após o exemplo da antiga União Soviética.

“E chegou à conclusão de que não, e disse o que muitos outros socialistas em todo o mundo disseram desde então, que o que aconteceu na União Soviética foi um erro lamentável, que um sistema do que se supõe ser o socialismo democrático se tornou infelizmente demasiado burocrático e demasiado repressivo e por isso foi mal feito e não foi o verdadeiro socialismo que foi tentado”, salientou, acrescentando que “deste modo, o argumento é que o socialismo real nunca foi sequer tentado, mas a África do Sul pode fazer a coisa certa, pode introduzir uma forma democrática e de socialismo real se perseguir esse objetivo com determinação suficiente”, afirmou a investigadora Anthea Jeffery à Lusa.

“Julgo que é obviamente um grande argumento intelectual, os russos têm todas as razões pelas quais o socialismo se revelou tão incrivelmente repressivo apesar de tudo o que era ineficiente na União Soviética e noutros lugares, mas é a justificação para o porquê do nosso Partido Comunista, que sempre dominou o ANC, e muitos outros partidos comunistas e socialistas em todo o mundo, ainda estarem empenhados em perseguir o socialismo”, adiantou.

De acordo com as sondagens, o ANC, no poder desde as primeiras eleições democráticas do país em 1994, poderá perder pela primeira vez a maioria absoluta no parlamento e forçado a formar um Governo de coligação.

O partido Congresso Nacional Africano (ANC), antigo movimento de Libertação nacionalista liderado por Mandela, governa em coligação com o Partido Comunista da África do Sul (SACP) e a Confederação Sindical da África do Sul (COSATU).

A economia sul-africana, a mais desenvolvida no continente, encontra-se numa trajetória de baixo crescimento de emprego, com pobreza persistente desde a crise financeira mundial de 2008 e 2009; a taxa de criminalidade é das mais altas do mundo, sendo o impacto do crime estimado em pelo menos 10% do PIB anual, segundo uma avaliação do Banco Mundial, em 2023.

Leave a comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *