EUA/Eleições: Kamala Harris, a procuradora multirracial que quer quebrar o ‘teto de vidro’

Os 90 milhões de dólares que a campanha de Kamala Harris vai gastar em anúncios nas próximas semanas servirão para apresentar aos eleitores uma candidata presidencial como nunca houve na história dos Estados Unidos.

Os 90 milhões de dólares que a campanha de Kamala Harris vai gastar em anúncios nas próximas semanas servirão para apresentar aos eleitores uma candidata presidencial como nunca houve na história dos Estados Unidos.

Mulher, ex-senadora, ex-procuradora geral da Califórnia, multirracial, frequentadora da Igreja Batista e casada com um judeu, a primeira vice-presidente feminina do país é líder inesperada do partido democrata. Depois de várias facetas pioneiras, Kamala Harris tem a possibilidade de partir o ‘teto de vidro’ que, até hoje, nunca permitiu a uma mulher ocupar a Sala Oval.

“Ela tem um currículo forte como procuradora e tem um currículo forte no Senado, embora tenha estado pouco tempo no Senado”, disse à Lusa a cientista política luso-americana Daniela Melo, da Universidade de Boston. “Mas neste momento também já tem quatro anos como vice-presidente”.

Esta experiência, considerou a especialista, marca pontos a seu favor sem trazer a “bagagem” que afetou negativamente Hillary Clinton, a primeira mulher que em 2016 tentou chegar à Casa Branca trazendo três décadas de política e um marido ex-Presidente.

Kamala Devi Harris, filha de mãe indiana e pai jamaicano que emigraram para os Estados Unidos, é a primeira candidata presidencial pelo partido democrata nascida na Califórnia.

Cresceu em Oakland nos anos sessenta, um período intenso de luta pelos direitos civis e desmantelamento da segregação racial, o que tornou a sua multirracialidade – negra e indiana – uma característica proeminente na ascensão a posições pioneiras.

Formou-se em ciência política e economia na Universidade de Howard e depois doutorou-se na Faculdade de Direito de Hastings, da Universidade da Califórnia. A sua carreira beneficiou de uma “sólida educação legal”, como disse à Lusa o ex-colega em Hastings, Heinz Klug, quando Harris foi nomeada vice-Presidente de Joe Biden.

É a sua faceta como procuradora tenaz que está a ser destacada para marcar o contraste com Donald Trump, condenado por crimes de falsificação de documentos e interferência eleitoral em Nova Iorque.

Agora, com quatro anos como vice-Presidente, Harris chega às presidenciais com “um histórico político sólido”, caracterizou o professor Brian Adams, da Universidade Estadual da Califórnia em San Diego. “Não há ali nada de mau, ela não cometeu erros nem assumiu posições impopulares”, disse à Lusa.

Destacou-se sobretudo nos dois últimos anos do mandato, assumindo a voz da administração contra a revogação do direito ao aborto, a proteção dos direitos reprodutivos e o combate às alterações climáticas. Fez várias viagens transatlânticas importantes e manteve discussões bilaterais de alto nível, tendo estado envolvida no processo que levou à troca de prisioneiros com a Rússia em agosto.

Mas a sua gestão da crise migratória, com um aumento significativo do número de requerentes de asilo nas fronteiras com o México e entradas ilegais tornou-a alvo de fortes críticas do lado republicano. Donald Trump chamou-a de “czarina da fronteira” e acusou-a de deixar entrar “milhões de ilegais”.

Trump também questionou a sua identidade racial, acusando-a de só há pouco tempo se ter identificado como negra. A acusação, que não corresponde à verdade, foi amplamente criticada.

Harris frequentou a Universidade de Howard, onde os estudantes são maioritariamente afro-americanos, inspirou-se no trabalho de Martin Luther King Jr. e teve grande influência de igrejas cristãs lideradas por reverendos negros.

O grupo de ação política Black Church PAC tem estado a organizar movimentos de apoio à candidatura de Kamala Harris, que tem no reverendo Amos Brown, da Third Baptist Church em São Francisco, um dos seus conselheiros.

O seu perfil moderado tem-se tornado mais progressista ao longo dos anos, mas Harris é considerada centrista, tendo sofrido ataques dos dois lados durante a carreira.

Fora eleita procuradora distrital de São Francisco em 2003, depois de liderar a acusação em casos de homicídio, roubo e violência sexual no condado por seis anos. Criou a Unidade de Crimes de Ódio e ficou conhecida pela postura agressiva na perseguição de crimes violentos, com armas e de natureza sexual.

Em 2010, venceu a eleição para procuradora-geral da Califórnia, cargo em que a sua visibilidade disparou, liderando a acusação em tráfico de seres humanos, tráfico de droga e crimes tecnológicos.

Foi reeleita em 2014 e enfrentou críticos dos dois lados políticos. Os progressistas acusaram-na de ter políticas criminais demasiado duras, levando a um aumento substancial das condenações criminais (de 52% para 71%) e por tráfico de droga (de 56% para 74%).

Os conservadores acusaram-na de ser fraca, por ter declinado a pena de morte para o membro de um gangue que matou o polícia Isaac Espinoza em 2004 e pelo aumento do crime no estado no seu mandato, durante o qual os eleitores aprovaram em referendo a reclassificação de certos crimes como delitos menores (Proposition 47, na qual Harris não tomou posição).

Estes contrastes emergiram quando se candidatou à presidência antes de ser nomeada vice-Presidente de Joe Biden, em 2020, mas entretanto Kamala Harris já se tinha destacado no Senado, para onde foi eleita em 2017.

Se vencer, será a primeira mulher Presidente do país e a segunda líder de ascendência afro-americana, depois de Barack Obama ter presidido aos Estados Unidos entre 2009 e 2017.

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