Três temas para refletir neste início de Outono
Adivinha quem vem avisar
Anteontem, após o tremor de terra ao largo das Desertas, li na página da RTP um comentário que perguntava: “Porque não somos avisados pelo IPMA e Proteção Civil, através de SMS, com antecedência?”. A dúvida seria legítima, não fosse o detalhe técnico de não haver, ainda, nenhum serviço público de cartomância e adivinhação em funcionamento. Talvez esteja para breve: uma aplicação de bola de cristal, subsidiada por fundos europeus, para avisar de terramotos antes de acontecerem.
Brincadeiras à parte, o comentário revela um traço crescente da relação entre cidadãos e instituições: a expectativa de que o Estado esteja permanentemente disponível para proteger, amparar e antecipar tudo. Como os pais da minha geração, que se autocriticaram por terem hiperprotegido os filhos, retirando-lhes o famoso talento de “desenrascar-se”. É isso que parece acontecer também em escala coletiva: uma sociedade habituada a exigir sempre mais ao poder público, insaciável e, muitas vezes, mimada. No fim, confundimos segurança com infalibilidade, e a responsabilidade individual com uma prestação de serviço garantida.
Turismo: de menos é que não!
Hoje assinala-se o Dia Internacional do Turismo. E repito uma ideia óbvia: não se combatem os efeitos do aumento do turismo proibindo turistas. Não se combate o tráfego impedindo quem nos visita de sair dos hotéis, numa espécie de férias “lá dentro”. A resposta está em repensar a mobilidade, ordenar fluxos, diversificar experiências e criar novos pontos de interesse. Numa daquelas tertúlias de eterno final de dia estival constatei um surpreendente consenso. “o Eduardo [Jesus] até tem razão” dizia cada um dos convivas em tom baixo, como se no exterior nos aguardasse uma turba censória: “não temos turistas a mais, temos turistas concentrados nos mesmos locais, ao mesmo tempo”. Exemplo das minhas freguesias favoritas: No Seixal, o centro fica paralisado com o trânsito de visitantes, enquanto a Ponta Delgada, com vasta oferta de alojamento, serve de dormitório sem pulsar vida turística no quotidiano, e sem derrame na economia. Bastava que a última conseguisse atrair visitantes para que a dispersão de “camones” tornasse a primeira freguesia respirável e a segunda menos desértica.
Antes da chegada de Eduardo Jesus à pasta, a verdade é que tínhamos turismo a menos — um destino turístico sem turistas. O erro não é abrir as portas, inaugurar rotas. O desafio é criar alternativas: mais trilhos, mais experiências culturais, mais locais para distribuir fluxos. É aí que reside a chave para que o turismo seja motor de prosperidade e não de frustração local.
“Devolver ainda mais”: entre geografia e fantasia fiscal
Esta semana, Putin surpreendeu ao afirmar que a Ucrânia poderia recuperar não só Lugansk, Donetsk, Kershon e Zaporijia, bem como a Crimeia e, enigmaticamente, “ou mesmo ainda mais”. Ninguém percebeu se se referia a um avanço sobre a estepe russa ou se simplesmente não faz a mínima ideia da geografia do Mar Negro.
Lembrei-me disso quando Fátima Aveiro, candidata do JPP ao Funchal, respondeu a Jorge Carvalho que, apesar do PSD já devolver o máximo legalmente previsto do IRS (5%), “se calhar ainda vou devolver mais”. A frase ecoa o mesmo surrealismo: ou desconhecimento técnico, ou vontade de enganar. Recordo que o mesmo partido, em Santa Cruz, chegou ao inédito de passar faturas de IMI à ANA/Vinci, proprietária do aeroporto. Se a pertinência da empresa pagar imposto pode ser discutida, a ideia de uma autarquia emitir “faturas de imposto” é algo tão criativo quanto juridicamente duvidoso.Seja na Ucrânia, na devolução de IRS ou nas faturas de IMI, há um ponto comum: entre a ignorância e a vontade de iludir, prefiro acreditar na ignorância. Mas essa ignorância não habilita ninguém para funções de responsabilidade pública.
Resumindo: Três casos distintos, mas unidos pelo mesmo fio: expectativas irrealistas, promessas fantasiosas e uma relação frágil entre discurso e realidade. Entre pedir SMS antes de um sismo, imaginar um turismo sem turistas ou devolver impostos para além do possível, corremos o risco de confundir a política com magia. E, como se sabe, a magia só resulta no palco — nunca na governação.