A urgência habitacional

Casas.

O direito à casa saltou para o topo das prioridades das famílias, dos partidos, das instituições em geral.

É assim em qualquer concelho da Madeira. É assim nos Açores e em qualquer distrito do País. Será assim na Europa.

O direito à habitação está legalmente consagrado e constitui uma conquista que poucos ousam discutir.

A questão que se coloca é outra e nem é nova: como é que deixámos chegar até aqui? Como foi possível tanto governo municipal, regional e nacional se ter esquecido desse direito fundamental que agora está no credo de qualquer político?

E a resposta nem é difícil: chegámos até aqui porque o Estado, feito de governos municipais, regionais e nacionais, descarregou esse fardo nas costas de milhares de famílias em Portugal.

A Madeira não foi diferente. Como já aqui foi lembrado, atalhadas as primeiras carências habitacionais gritantes, ficou a ideia de que o problema estava resolvido. Mas foi só a ideia.

Durante anos, enquanto havia gente a viver em furnas e barracas, esse retrato era visível. Era chocante. E os governos municipais, regionais e nacionais não gostam de retratos chocantes.

Desde que essa parte do problema foi resolvida com os primeiros bairros, sobretudo na Nazaré, em Santo Amaro, São Gonçalo ou na Camacha, os governos descansaram e as famílias afrouxaram. Desenrascaram-se com mais um quartinho, um anexo com frente em xadrez verde e teto em zinco natural. Foi um arranjo que durou décadas.

E o problema passou a ser dos mais pobres, dos que vivem na cave do famoso elevador social.

Agora, que a crise chega às famílias do primeiro ao último andar desse elevador, é que toda a gente olha para o problema anunciado.

E vem a bendita Europa e os programas e os milhões. Porque, agora, não só não é possível aumentar o sótão, como ninguém tem dinheiro para comprar terrenos e muito menos pagar projetos e obras e mestres e materiais.

Agora, não só não há ordenado que chegue para comprar uma casa modesta, como não há casas modestas para comprar. E o mercado do arrendamento foi tomado pelo mercado do Alojamento.

Agora, vai começar tudo outra vez. A política de habitação volta a ser a prioridade das prioridades e, como se vê, vai ser desenhada em cima do joelho.

O resultado não é difícil de prever: como em quase tudo na vida, haverá famílias que serão justamente contempladas com habitação com apoios públicos, seja renda reduzida ou outra modalidade, e outras ficarão à espera da sua vez numa lista interminável.

E haverá, como há sempre, quem use os recursos financeiros de que dispõe para outras prioridades, porque o Estado vai encontrar solução para a casa.

Essa sorte não tiveram as famílias que, nos últimos 50 anos, hipotecaram a sua vida para uma casa paga a pesadas prestações mensais durante décadas.

Que a prioridade seja a casa, nem se discute. O que se pede é equidade, razoabilidade e justiça na atribuição desse direito que vai beneficiar alguns, mas será pago por todos.

Esta ausência de oferta pública de habitação traduz ainda um outro aspeto: o desinteresse da própria sociedade.

Não foram só os governos que se esqueceram que o direito à habitação não se ganha com um bloco de apartamentos. Foram também as próprias pessoas. As famílias, os jovens casais e todas as outras estruturas sociais em que vivemos.

Dito de outra forma: falharam os governos, mas falhou também o exercício crítico da cidadania.

Ainda mais simples: fizemos com as políticas de habitação aquilo que mais sabemos fazer: deixar andar.

O problema andou tanto que bateu de frente, na parede.

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