Os eleitores portugueses mais jovens, com menores qualificações académicas e que tendem a posicionar-se mais à direita no espetro político são os que menos participam em atos eleitorais, segundo um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Intitulado “Abstenção Eleitoral em Portugal: Mecanismos, Impactos e Soluções”, da autoria dos investigadores João Cancela e José Santana Pereira, este estudo trabalhou com uma amostra de 2.405 cidadãos que participaram num inquérito de opinião e ‘focus groups’ com 26 eleitores que “se costumam abster ou votar de forma intermitente”, realizados entre final de 2021 e 2022.
Foram também contactados atores políticos de três planos: Assembleia da República, Parlamento Europeu e autarcas, entre 2024 e 2025.
Cidadãos mais jovens (entre os 18 e 30 anos) e com menor formação académica tendem a participar menos em atos eleitorais, assim como cidadãos que tenham adquirido nacionalidade portuguesa, que se identifiquem como pertencendo a minorias étnicas ou que não sejam proprietários de uma habitação.
Por outro lado, eleitores mais velhos, mais escolarizados, de classes sociais mais elevadas e até “com prática religiosa regular”, que “não pertencem a uma minoria étnica” e que vivem em habitação própria apresentam “maior propensão para votar”.
Os investigadores realçam que estas variáveis sociodemográficas isoladas não explicam tudo: numa análise mais aprofundada, o estudo aponta que são estes grupos (mais velhos, mais escolarizados, de classes sociais mais altas ou até mais religiosos) que tendem a um maior sentimento de “dever cívico” e forte “culpa” quando não exercem o seu direito ao voto, sendo esse um dos principais fatores que influencia diretamente a ida às urnas.
Foi ainda encontrada uma outra tendência no eleitorado português: “Ao contrário do que se observa noutros países, os abstencionistas tendem a posicionar-se ligeiramente mais à direita do que os votantes frequentes”.
Eleitores abstencionistas ou “votantes intermitentes” são mais favoráveis a descidas de impostos e à ideia da representação política ser feita por “cidadãos comuns” ao invés de “políticos profissionais”.
“Este padrão sugere que, em Portugal, a abstenção poderá implicar uma sub-representação relativa de segmentos mais conservadores do eleitorado”, lê-se no texto.
Os investigadores admitem que o contexto no qual o estudo foi feito, entre 2021 e 2022, pode ter influenciado a maior tendência de abstenção de eleitores à direita: nessa altura, o Governo era liderado pelo PS, com António Costa a alcançar uma maioria absoluta, e partidos como o Chega e a Iniciativa Liberal eram ainda relativamente recentes.
“Nesse sentido, havia uma oportunidade de mercado que diferentes partidos podem ter tido maior ou menor sucesso a colmatar nos últimos anos”, realçou João Cancela.
Ainda assim, no que toca à posição destes eleitores em assuntos como “qual deve ser o equilíbrio entre setor público e setor privado na provisão de serviços, se a imigração é benéfica para o país, ou se se deve privilegiar o ambiente ao crescimento económico” não foram encontradas diferenças significativas entre abstencionistas e pessoas que tendem a votar mais.
Autárquicas e legislativas registam maiores níveis de mobilização do que presidenciais, “especialmente quando o chefe de Estado se recandidata”, e europeias.
O estudo aponta para uma tendência de “declínio na participação eleitoral” desde 1974, apesar de os investigadores alertarem que os números oficiais podem contribuir para exagerar a perceção da magnitude deste fenómeno, sobretudo devido a um recenseamento elevado que se explica pela “inscrição automática de cidadãos portugueses que de facto não residem em território nacional”.
Em atos eleitorais mais recentes, como as legislativas de 2024, foi registado um aumento da participação, o que pode indicar “uma eventual inversão” deste fenómeno.