A fruta desejada

Hoje perde-se em todo o lado.

As nêsperas, os araçaís, as laranjas, as peras, os peros, os figos, as uvas, etc. Eram tudo frutas que noutros tempos quase nem amadureciam nas árvores.

Mal começavam a “luzir” eram apanhadas e consumidas.

Em Santana, nos anos da minha infância, a fruta não se comprava embalada nem brilhava nas prateleiras: vinha das árvores, à mão de semear, e para nós – malta jovem – à beira do caminho de regresso a casa depois da escola.

Não era uma prática solitária. A cumplicidade estava sempre presente sobretudo entre colegas de escola. Havia sempre uma oportunidade para olhar para uma árvore que aparecesse à beira do caminho.

Era uma aventura. Por vezes implicava equilibrar-se nos ramos, esticar o braço para alcançar o fruto quase verde. As ameixas duras, as maçãs que faziam ranger os dentes, eram procuradas como iguarias.

Cada época tinha a sua fruta, e já sabíamos qual era. Na primavera vinham as nêsperas douradas, que se apanhavam ainda meio azedas. O verão era tempo de figos, de ameixas maduras, das uvas, das maçãs sumarentas e das amoras que deixavam as mãos roxas. No outono apareciam as castanhas e as nozes. No inverno reinavam as laranjas e as tangerinas, tão doces que perfumavam o ar ao serem descascadas.

Hoje, encontramos fruta todo o ano nas prateleiras, sem esperar pela estação certa. Mas naquele tempo, a doçura também estava na espera: sabíamos que cada fruto tinha o seu momento, e era isso que o tornava tesouro.

Nesse tempo tudo se aproveitava. Agora perdem-se nas árvores.

Os mais velhos não se cansavam de avisar: – “fruta verde dá dores de barriga.”

Mas ninguém esperava pela maturação. O risco fazia parte do jogo.

Existiam regras próprias, nunca escritas: comer logo da árvore, partilhar entre todos, encher os bolsos da bata da escola ou até a pasta dos cadernos. E havia a reação dos vizinhos: uns ralhavam da janela ou do quintal, outros toleravam com um sorriso resignado: – “podem comer dois ou três.”.

Só que raramente a contagem ficava por ali.

Os figos deixavam os dedos colados de leite, as nêsperas enchiam as mãos de sumo, as amoras pediam coragem para enfrentar os espinhos do silvado. E nas conversas de final de tarde ouvia-se a queixa habitual: “esses miúdos comeram tudo, só deixaram as verdes!”

Hoje, muitas daquelas árvores ainda resistem, mas a fruta cai no chão e apodrece. Já não há grupos de miúdos a disputar quem sobe mais alto, quem chega primeiro à laranjeira proibida, quem enche mais depressa os bolsos da bata.

O tempo mudou. As rotinas mudaram. Mas a memória permanece. Porque a fruta não era apenas alimento: era convívio, era liberdade e era infância vivida em grupo – com os pés por vezes descalços na terra e a boca cheia de risos e sumo.

Leave a comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *