O secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou hoje que o “isolamento é uma ilusão” e saiu em defesa do multilateralismo e da Organização das Nações Unidas, a qual considerou “uma bússola moral” e uma “guardiã do direito internacional”.
Na abertura do debate de alto nível da Assembleia-Geral da ONU, e num momento em que as Nações Unidas celebram 80 anos, Guterres recordou o cenário que levou à criação da organização, afirmando que os líderes da altura escolheram a cooperação em vez do caos, a lei em vez da ilegalidade, e a paz em vez do conflito.
“Esta escolha deu origem às Nações Unidas – não como um sonho de perfeição, mas como uma estratégia prática para a sobrevivência da humanidade”, disse, relembrando que muitos dos fundadores da ONU viram de perto os terrores dos campos de extermínio e da guerra.
Num momento em que a ONU enfrenta uma grave crise multidimensional, com a sua influência e orçamento em risco, Guterres dedicou grande parte do seu discurso a defender a organização que lidera, a qual apontou como o único fórum para os Estados soberanos procurarem o diálogo e a cooperação.
“As Nações Unidas são mais do que um ponto de encontro. São uma bússola moral. Uma força para a paz e a manutenção da paz. Uma guardiã do direito internacional. Um catalisador para o desenvolvimento sustentável. Uma tábua de salvação para as pessoas em crise. Um farol para os direitos humanos. Um centro que transforma as decisões dos Estados-membros em ação”, disse.
Contudo, 80 anos após a fundação da ONU, os líderes da atualidade são confrontados com a mesma questão que os fundadores enfrentaram só que, frisou perante a atualidade, “mais urgente, mais interligada, mais implacável”.
“Que tipo de mundo escolhemos construir juntos?”, questionou Guterres.
Ao longo do discurso, “escolha” foi a palavra de ordem usada pelo chefe da ONU, admitindo que a mensagem principal que pretende transmitir aos chefes de Estado e de Governo que o ouvem é: “Agora é a hora de escolher”.
“Não basta saber quais são as escolhas certas. Exorto-vos a fazê-las”, instou.
António Guterres afirmou que o mundo enfrenta agora uma era de perturbação imprudente e de sofrimento humano implacável, com os princípios das Nações Unidas “sob cerco”.
“Os pilares da paz e do progresso estão a ceder sob o peso da impunidade, da desigualdade e da indiferença. Nações soberanas, invadidas. Fome, transformada em armas. Verdade, silenciada. Fumo a subir de cidades bombardeadas. Raiva crescente nas sociedades fragmentadas. Mares a subir, engolindo litorais. Cada um deles é um aviso”, lamentou.
“Que tipo de mundo escolheremos? Um mundo de poder bruto ou um mundo de leis? Um mundo que é uma luta por interesses próprios ou um mundo onde as nações se unem? Um mundo onde a força faz o direito ou um mundo de direitos para todos?”, indagou Guterres.
O antigo primeiro-ministro português fez então uma reflexão pessoal, contando que cresceu num mundo onde as escolhas eram poucas e que foi educado na escuridão da ditadura, “onde o medo silenciava as vozes e a esperança era quase esmagada”, numa referência à ditadura imposta por António de Oliveira Salazar em Portugal.
No entanto, mesmo nas horas mais sombrias, “descobri uma verdade que nunca me abandonou: O poder não reside nas mãos daqueles que dominam ou dividem. O verdadeiro poder emana das pessoas”, disse.
“Aprendi cedo a perseverar. A falar abertamente. Recusar a render. Não importa o desafio. Não importa o obstáculo. Não importa a hora. Devemos — e iremos — ultrapassar. Porque num mundo de muitas escolhas, há uma escolha que nunca devemos fazer: A escolha de desistir”, acrescentou o secretário-geral.
Guterres fez hoje o seu penúltimo discurso de abertura da Assembleia-geral da ONU enquanto secretário-geral, num momento em que a ONU enfrenta uma crise que levanta questões sobre o seu futuro.
Além de uma alegada perda de relevância no cenário global, com o Conselho de Segurança a não conseguir cumprir o propósito de evitar novos conflitos, a ONU enfrenta agora um grave problema financeiro e orçamental, potenciado pelos cortes de verbas decretados pelo atual Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Apesar da carga de trabalho da ONU aumentar anualmente, os recursos estão a diminuir em todos os setores, o que obrigou Guterres a fazer reduções significativas no orçamento e cortes de postos de trabalho.
“Nunca devemos desistir. Essa é a minha promessa para vocês. Pela paz. Pela dignidade. Pela justiça. Pela humanidade. Pelo mundo que sabemos ser possível quando trabalhamos como um só. Eu nunca, nunca desistirei”, assegurou António Guterres.