Alunos de todo o país participaram num voo que simula como é viver no espaço, mas depois de experimentarem a “gravidade zero”, muitos já não querem ser astronautas apenas por um dia. Nesta aventura, conforme noticiou o JM recentemente, participou uma madeirense, Júlia Barros, de 16 anos, estudante do 11.º ano de Ciências e Tecnologias, na Escola Secundária de Francisco Franco.
O dia começou cedo para os 30 jovens finalistas da iniciativa “Astronauta por um dia”, da Agência Espacial Portuguesa, e a poucas horas de embarcarem no voo parabólico, que simula como é viver no espaço, não escondem o entusiasmo.
“Chegou o dia”, comenta um estudante, enquanto outra colega admite: “Agora é que me está a cair a ficha”.
A descolagem estava marcada para as 10:00 de domingo, no aeroporto de Santa Maria, nos Açores, mas pelas 7:30, e já com o pequeno-almoço tomado e vestidos a rigor, os estudantes recebiam a injeção com a medicação para não enjoarem.
Segundo Jean-François Clervoy, o astronauta francês que atualmente lidera a Novaspace (empresa que opera o Airbus A320 Zero G), menos de 10% das pessoas que viajam naquele avião experiencia enjoos, uma estatística que sossega os participantes.
Quando finalmente entram na aeronave, já conhecem aquele espaço e sabem exatamente o que vão fazer, depois de uma visita realizada no dia anterior e de um ‘briefing’ com alguns dos membros da tripulação.
Ao contrário de um avião normal, o A320 Zero G tem apenas lugar para cerca de 40 pessoas sentadas e o interior foi despido da maioria dos assentos, dando lugar a uma grande cabine acolchoada, com divisórias em rede, onde os grupos vão poder flutuar.
“Não estou nervosa, estou entusiasmada”, sublinha Maria Vieira, da equipa Marte, que a Lusa acompanhou durante o voo e uma das quatro pelas quais os participantes foram distribuídos (Marte, Júpiter, Saturno e Lua). Ao lado, Leila Andrade confessa-se nervosa.
“Não se esqueçam: quando sentirem o corpo pesado, fixem um ponto e não mexam a cabeça”, recorda o instrutor.
A fase a que Frank Lehot se refere é a primeira da curva parabólica, quando o piloto puxa o avião para cima, numa subida íngreme a um ângulo de cerca de 45 graus, e a mais crítica para a prevenção dos enjoos.
Nesta fase, de hipergravidade (1,8g), o corpo parece pesar o dobro e levantar um braço ou uma perna torna-se uma tarefa mais complicada. Por isso, o conselho é ficarem deitados no chão, a olhar para o teto sem mexer a cabeça.
No topo da parábola, o piloto corta parcialmente os motores e o avião inicia numa espécie de queda livre controlada. Nesse momento, o corpo pesado deixa de o parecer e levita sem esforço, e a cabine é inundada de risos e gritos de entusiasmo.
“Pés para baixo”, gritam os instrutores ao fim de cerca de 20 segundos, para assinalar que a fase de microgravidade vai terminar e os corpos praticamente sem peso vão voltar a parecer pesar o dobro.
Ao longo de mais de uma hora, os pilotos repetem a parábola 15 vezes. Na primeira, para o corpo se acostumar, é como se os participantes estivessem em Marte, com um terço da sensação de gravidade da Terra, seguindo-se duas fases lunares, com um sexto da sensação de gravidade da Terra e, finalmente, as séries de “gravidade zero”.
Pela primeira vez a sentirem a ausência de peso, os alunos puderam andar de cabeça para baixo, dar cambalhotas no ar, “voar” como o super-homem ou ver como também a água se comporta naquele contexto.
“Nunca dá para ter a certeza de como vai ser, mas acho que ninguém estava exatamente à espera, apesar de termos tido tantas palestras e de termos lido tanto sobre o assunto. Sentir é completamente diferente”, conta Sofia Abreu.
Durante o voo, a aluna do 12.º ano quis experimentar tudo o que era possível, desde ser “atirada” como uma bola ou andar com hipergravidade. Matilde Deboeuf, por outro lado, preferiu relaxar tanto quanto possível.
“Achei que foi mesmo uma paz”, disse à Lusa.
Até chegarem àquele momento, os alunos tiveram de passar por um processo de seleção que se assemelha aos processos de seleção dos astronautas, com testes para avaliar competências como a memória, a perceção espacial e a rapidez de resposta, testes de aptidão física, psicológica, uma entrevista e exames médicos.
Pela primeira vez a realizar-se na ilha de Santa Maria, Açores, a participação no voo parabólico era o grande prémio, mas para Sofia Abreu a principal motivação era poder partilhar a experiência.
“São 30 pessoas, não nos conhecemos de lado nenhum, mas, de alguma maneira, em menos de 24 horas já estávamos todos super amigos. No voo é isso que também torna esta uma incrível experiência, porque fizemos as atividades com outras pessoas”, explica.
Ainda assim, e apesar de continuar sem certezas sobre que curso quer seguir na universidade, a agora finalista do ensino secundário sabe que não quer que aquela tenha sido a primeira e última vez.
Não é a única. Matilde Deboeuf, no 10.º ano, continua a querer estudar Medicina, mas agora já pensa em especializar-se em Medicina Aeroespacial, enquanto Afonso Lopes, também no 10.º ano, admite que o objetivo de seguir Engenharia Aeroespacial solidificou-se e sonha não ser astronauta apenas por um dia.