O recente anúncio do ministro da Educação, Fernando Alexandre, sobre o descongelamento das propinas a partir do ano letivo 2026/2027, merece uma reflexão séria e profunda. Não se trata apenas de um ajuste de valores em função da inflação. Trata-se, acima de tudo, de uma escolha política que afeta diretamente a vida de milhares de jovens e famílias portuguesas e que compromete o futuro do ensino superior no nosso país.
O aumento dos custos no ensino superior, como o que agora foi anunciado, surge num contexto em que os encargos suportados por estudantes e famílias já são pesados. A esta realidade soma-se a redução significativa do número de colocados pelo Concurso Nacional de Acesso, sinal de que as barreiras de entrada e permanência no sistema se tornam cada vez mais difíceis de ultrapassar. Num país que necessita urgentemente de mais licenciados, mestres e doutorados, a resposta não pode passar por agravar despesas, mas sim por criar condições que promovam, de forma universal, a frequência e a conclusão dos estudos superiores.
Não podemos esquecer que existem situações ainda mais gravosas do que as propinas das licenciaturas. Basta olhar para as taxas abusivas cobradas aos doutorandos. Na Universidade da Madeira, por exemplo, a entrega da tese exige o pagamento de 500 euros. Trata-se de um valor desajustado, que coloca barreiras adicionais a quem já investiu anos de estudo e investigação. Em 2023, por cada 100 doutorandos em Portugal, apenas 9 concluíram a sua tese. Este dado é revelador do cenário de enormes dificuldades que atravessamos e desmonta o argumento de que os estudantes devem “pagar mais” para valorizar o seu grau académico.
A decisão do Governo de descongelar as propinas é um retrocesso inaceitável na democratização do ensino superior. Ignora por completo a realidade socioeconómica das famílias portuguesas e, em particular, das madeirenses. Não é novidade que os estudantes enfrentam já enormes dificuldades com os custos da habitação, da alimentação e das deslocações. Aumentar as propinas, ainda que em poucos euros, é acrescentar mais um peso a quem todos os meses tem de escolher entre estudar e suportar despesas básicas. No caso da Madeira, onde o custo de vida é mais elevado e onde a insularidade agrava desigualdades, este impacto é ainda mais violento e pode significar o afastamento definitivo de muitos jovens do percurso académico.
Enquanto vários países europeus avançam para a gratuitidade do ensino superior, reconhecendo-o como investimento estratégico para o desenvolvimento social e económico, Portugal insiste em manter e até agravar este obstáculo financeiro. O resultado é previsível, aumentam as desigualdades, desincentiva-se a formação avançada e fragiliza-se a capacidade do país de competir num contexto internacional cada vez mais exigente.
É verdade que o Governo anunciou aumentos nos apoios sociais. Contudo, esses reforços continuam a ser insuficientes. Ainda hoje existem estudantes que ficam de fora das bolsas devido a critérios desajustados e que, na prática, vivem em condições de grande vulnerabilidade económica. Entre os deslocados, a situação é particularmente grave, não encontram alojamento com preços compatíveis com os apoios existentes, e muitos veem-se forçados a abandonar ou a recusar o ensino superior por falta de condições para se manterem.
Perante esta realidade, a questão que se coloca é simples, queremos um país que exclui, ou um país que investe no conhecimento e no talento dos seus jovens? A resposta deveria ser óbvia. O ensino superior não pode ser encarado como um privilégio de quem tem recursos financeiros, mas sim como um direito universal e uma necessidade estratégica para o futuro coletivo.
O descongelamento das propinas não deve ser visto apenas como um ajuste financeiro. Está em causa, sobretudo, o modelo de sociedade que se pretende para o futuro. Se Portugal deseja ser mais justo, mais qualificado e mais competitivo, então o ensino superior tem de estar acessível a todos, independentemente da condição económica ou da região onde vivem. É este o verdadeiro investimento estratégico, porque o futuro do país depende diretamente da capacidade de garantir que ninguém é excluído do conhecimento por falta de meios.
Não se trata de discutir apenas mais 13 euros por ano. O que está em causa é a mensagem que essa decisão transmite, a de que o acesso ao ensino superior continua a ser encarado como um encargo individual, e não como um investimento coletivo. Este sinal simbólico tem um peso muito maior do que o valor em si, porque normaliza a ideia de que estudar é um privilégio sujeito a um preço crescente, em vez de ser um direito fundamental que deve ser garantido a todos.