Recordo esta advertência dos tempos da faculdade. É uma frase que nos acompanha como quem abre uma janela: o gosto não nasce inato nem absoluto, é matéria cultivada, exercício de discernimento. E poucas esferas o demonstram com tanta clareza como a arquitetura e o planeamento urbano.
Se aceitarmos a máxima popular de que “os gostos não se discutem”, ficamos entregues ao banal — ao loteamento apressado, ao edifício que nada acrescenta, ao espaço público tratado como sobra entre volumes. A cidade resulta, então, de opções acríticas, onde o critério é substituído pela pressa, e o horizonte coletivo pelo interesse imediato. Ora, o gosto, educado e discutido, é precisamente o que nos protege desse nivelamento por baixo.
E se é verdade que as cidades são um palimpsesto — de tempos de vida, de arquiteturas, de gestos do habitar — também é verdade que esse palimpsesto foi sempre feito de escolhas, de gostos. Cada camada da cidade corresponde a uma época, a uma visão do mundo, a um modo de valorizar o espaço comum. Nada é neutro: da escala das avenidas às proporções de uma janela, há sempre uma decisão estética, ética e cultural. É essa sedimentação de critérios que constrói a memória urbana, e é por isso que discutir o gosto é também discutir a herança que deixamos.
Educar o gosto é perceber que a rua não é apenas canal de circulação para o automóvel, mas lugar de encontro e de confluências. É compreender que uma praça, quando bem desenhada, dá dignidade à vida quotidiana. É distinguir entre uma ciclovia pensada como infraestrutura contínua e outra traçada como remendo e cartaz político. É reconhecer que uma fachada pode dialogar com a memória urbana, ou violentá-la sem remorso.
A ausência de gosto traduz-se em cidades fragmentadas, em mobilidades que favorecem o automóvel e desprezam o peão, em edifícios habitacionais que repetem fórmulas indiferentes à paisagem e à cultura. O resultado é uma vida urbana empobrecida, onde o espaço não educa, não inspira, não eleva. E, no entanto, a arquitetura e o urbanismo têm esse poder raro: moldar comportamentos, formar sensibilidades, dar corpo visível ao bem comum.
Discutir o gosto não é instaurar dogmas estéticos, é afirmar critérios. É recusar a equivalência fácil entre o que apenas entretém, com (des)gosto, e o que verdadeiramente enriquece. No ordenamento do território, isto significa mais do que alinhar regulamentos: significa propor visões, debater ideias, assumir escolhas, cultivar exigência. Uma cidade sem gosto educado é um território sem identidade — um cenário descartável em que a cada 4 anos se muda de gosto.
Por isso, temo menos a ditadura do gosto e mais a ditadura da sua ausência. Porque quando deixamos de educar o gosto, deixamos também de educar a cidadania. E uma comunidade que não cuida do espaço coletivo como obra de cultura será sempre uma comunidade mais pobre, ainda que rodeada de abundância material.