Diálogos em África

Sem saber porquê, talvez pela solidão da viagem, ele aceitou o convite da mulher para se sentar à mesa com o seu grupo de amigos. Pegou no copo e arrastou a cadeira de plástico, colocando-se entre ela e um gordo de olhos azuis. A mulher ficou feliz por isso. Teria uns 35 anos e era baixa, não mais de metro e meio. O cabelo era negro e comprido, a pele alva e a voz rouca e inebriante. Usava um vestido azul, curto e com bom decote, embora o efeito se diluísse por ter mamas pequenas. Já em relação às pernas, a dimensão do vestido valorizava-as imenso e eram umas pernas impecáveis.

No exato momento em que se sentou, a chuva que caía há quase duas horas cessou abruptamente e começou a doer-lhe a cabeça.

A mulher baixinha fez as apresentações, dizendo o nome dos amigos e também o dela, cinco pessoas ao todo, e ele também disse o seu, mas daí a pouco já não se recordava do nome de ninguém, a não ser o da negra que estava com eles, Inês.

O gordo de olhos azuis perguntou-lhe onde estava hospedado e ele disse o nome da pensão e os outros franziram as testas e exibiram caras de nojo, como se ele tivesse dito que estava alojado na lixeira municipal.

– Aí só dá para beber cerveja – disse o gordo de olhos azuis.

– Eu comi frango assado e estava muito bom – informou, timidamente.

O gordo não se conformou e aconselhou-o a mudar-se para a Missão dos Santíssimos Padres do Corpo de Deus, pois alugavam quartos aos viajantes, e depois a mulher baixinha, que tinha as pernas cruzadas de uma forma muito sensual, interveio para dizer que era o sítio mais seguro e higiénico da cidade, mas, nisto, um tipo enorme, que estava sentado entre a negra Inês e um gajo de barba preta e óculos redondos, desatou a rir às gargalhadas, levando-o a pensar que talvez fosse meio louco, ou meio bobo, ou meio alcoólico.

– A Missão foi assaltada aqui há dias – explicou o gajo de barba preta e óculos redondos, cujo nome ele não conseguia recordar, por mais que se esforçasse, embora tivesse a impressão que terminava em art, ou ato, ou ad.

– Quando eu morava lá – continuou o gajo de barba preta – andava sempre com diarreia. (Todos riram). A comida é uma porcaria! Comer ali é a mesma coisa que se envenenar! (Todos riram outra vez).

O gordo de olhos azuis interrompeu para dizer que agora a comida estava melhor, muito melhor, disse ele e acrescentou:

– O problema são os padres. Andam sempre a nos controlar, por causa das miúdas que levamos para lá. Não é que os sacanas se importem com isso, mas querem saber exatamente quem levamos para o quarto.

– É para terem a certeza de que não andas com nenhuma das namoradas deles – tornou o homem de barba preta, cujo nome terminava em ad, ou ato, ou art. – Os padres preocupam-se muito com esse tipo de comida.

Todos riram e ele também, mas à toa, desorientado. A dor na cabeça intensificou-se e ele pensou que estava no meio de loucos, pensou que em África só havia loucos, pensou que no mundo inteiro só havia loucos, pensou que o planeta é um manicómio cheio de loucos, mas que em África o caso é bem pior. Depois, pensou que muita gente já sentiu o mesmo, que no mundo só há loucos, e começou a deslizar sem travão no abismo da sua alma.

Quando regressou a si, o gordo de olhos azuis e o homem de barba preta e óculos redondos estavam a falar animadamente acerca da boa vida dos padres e referiam-se à Missão quase como se se tratasse de um bordel e depois a mulher baixinha intrometeu-se para dizer que o padre tal engravidou uma miúda há pouco tempo e que a família dessa miúda foi queixar-se ao bispo e que o bispo disse que não tinha nada a ver com o caso, que a queixa devia ser feita ao superior da congregação dos Santíssimos Padres do Corpo de Deus e não a ele, que só se preocupava com os diocesanos e estes só por si já lhe davam problemas em abundância, e então aquilo ficou tudo em águas de bacalhau.

– Como se isso não bastasse – disse a mulher baixinha –, o padre obrigou a miúda a fazer um aborto.

– Mas ela não abortou – afiançou o homem de barba preta e óculos redondos.

– Quem te disse isso? – Perguntou a mulher baixinha.

– Eu sei. O filho nasceu, mas a moça matou-se – disse-lhe. – Foi aquela que se afogou no lago no mês passado.

A mulher baixinha ficou de boca aberta:

– Não me digas!

(Continua…)

Leave a comment

Your email address will not be published. Required fields are marked *