Esta semana começou mais um ano letivo universitário. Para muitos jovens madeirenses – e para os seus pais que agora ficam com os olhos lacrimejantes ao olhar para a cama vazia – este é o tempo da partida. A felicidade inicial é imensa: o curso desejado, a opção sonhada, a sensação de conquista. É o “sim” da vida adulta. Mas, logo depois da lua-de-mel com a novidade, chegam as contas, as filas e os bilhetes de avião. Ou seja, chega a vida real.
Falo na primeira pessoa, porque também já estive lá. Faz 21 anos que entrei num avião rumo ao Ensino Superior. Mudou-se a tecnologia, mudaram-se as regras, mas a essência é a mesma: o estudante madeirense é sempre um equilibrista a tentar manter-se de pé num palco onde os custos são desproporcionais ao tamanho da ilha.
1º desafio: a viagem.
No meu tempo, antes da liberalização, tínhamos umas folhinhas carimbadas pela faculdade e entregues no check in da TAP, que eram a nossa salvação. Era quase um passe mágico: sem ele, voar custava o dobro ou o equivalente a vender um rim. Com a liberalização, vieram mais opções e preços “um bocadinho” mais baixos — até percebermos que comprar um voo à última da hora ainda custava muito mais. Resultado? Para voltar ao Natal ou ao verão, era preciso planear que cadeiras ia reprovar e quais os recursos é que ia ter de fazer.
2º desafio: a burocracia académica.
As universidades foram sempre ginásios de paciência. Antes, com papelada interminável e filas de três horas para assinar um papel que ninguém lia. Agora, com sites que caem mais depressa do que o otimismo de um caloiro na primeira semana. A diferença é que antes tínhamos veteranos que, entre uma praxe e uma cerveja barata, nos guiavam, até já contei noutro artigo como fui recebido e bem. Hoje, muitos ficam sozinhos diante de um ecrã que insiste em dar erro.
3º desafio: encontrar um quarto.
Ah, o épico “quarto para estudante”! Anúncios falam em espaços “amplos e luminosos”, mas na prática são arrecadações sem janela onde a planta mais resistente morre em três dias. Outros ficam em bairros que oferecem um curso intensivo em criminologia aplicado. E, claro, os preços: um quarto em Lisboa pode custar o mesmo que uma penthouse em Nova Iorque. Eu, felizmente, consegui um quarto digno e até fiquei amigo do senhorio.
4º desafio – transportes.
Decifrar o metro, os autocarros, o Fertagus ou os comboios da CP, os dias de greve, e outros meios mais criativos é o ritual de iniciação para chegar à faculdade? Era quase um novo idioma, sair dos horários amarelos para chegar a tantas companhias… Só quando já tinha a primeira frequência, é que já era especialista, até lá era cada episódio de ver como chegar o mínimo atrasado.
5º desafio: alimentar-se.
Este foi um grande desafio, pois tive que aprender a cozinhar sozinho, achava que era simples, o problema é acertar nas quantidades e não querer desperdiçar nada e aí engordar como um texugo.
Mudam os tempos, mas os desafios são sempre os mesmos. Sair da nossa terra para estudar é um ato de coragem. É também uma prova de amor: amor ao futuro, amor à família, amor à ilha.
E aqui fica a reflexão: será justo que os nossos jovens tenham de ser equilibristas de orçamentos, especialistas em burocracia, exploradores imobiliários e mestres em transportes, só para poderem estudar? Talvez esteja na hora de olharmos para estas histórias não como exceções, mas como responsabilidade coletiva. Uma residência para madeirenses e açorianos em Lisboa e no Porto não seria luxo, seria justiça.
A canção Deslocado, dos NAPA, diz bem: não é apenas uma letra, é um estado de alma. Porque cada partida é uma lição de resiliência, um teste à identidade, um ato de coragem.
Onésimo Almeida, o filósofo açoriano, disse-o de forma genial:
“Quando fui para a Terceira, percebi que era micaelense. Na Madeira, senti-me açoriano. Em Lisboa, vi que era insular. Em Espanha, reconheci-me português. Em Paris, já era ibérico. Nos EUA, europeu. Na China, achei-me decididamente ocidental. Se um dia for a Marte, sentir-me-ei terrestre.”
E eu subscrevo. Eu próprio senti-me mais madeirense em Lisboa do que alguma vez na Madeira. E, quando vivi na Irlanda, foi aí que percebi a fundo o que é ser português.
No fim, estudar fora é isto: aprender a rir para não chorar, amar mais o que se deixou para trás e perceber que, às vezes, precisamos de distância para saborear a proximidade.