A Desumanização em Nós

«Nunca mais!»

(abril de 1945), Cartazes de Sobreviventes do Campo de Concentração de Buchenwald (em várias línguas).

Em 1945, as tropas aliadas marchavam em direção à Alemanha, com o objetivo de tomar Berlim. A 27 de janeiro, as tropas da União Soviética iniciaram a libertação dos Campos de Concentração nos territórios ocupados da Polónia e do leste da Alemanha, com o campo de Auschwitz. O Mundo teve finalmente as provas fotográficas do horror e das condições sub-humanas que aí se viviam.

Eram conhecidos alguns relatos, de prisioneiros fugitivos, por vezes tidos como exagerados e, por isso, desvalorizados, mas quase ninguém adivinhava a dimensão da brutalidade. Os relatos, quando muito, pecavam por defeito.

Em abril de 1945, os soviéticos libertaram Buchenwald, que não era, por definição, um campo de extermínio, apesar dos massacres ocasionais e de as condições de vida não serem muito melhores. Os sobreviventes exibiram cartazes com a mesma frase curta:

«Nunca mais!»

A frase tornou-se um slogan, um grito pela humanidade, um resumo, numa frase, da lição do Holocausto e de outros genocídios.

Os Judeus sobreviventes exigiam um território, onde pudessem reunir-se, como povo, partilhando uma religião e uma cultura: um Estado-Nação para todo o povo judaico.

A Palestina, conquistada aos otomanos, no seguimento da revolta árabe apoiada pelos britânicos em 1916, tinha passado a ser administrada por estes, com mandato da Liga das Nações a partir de 1922.

Prometida aos árabes em troca da sublevação contra os otomanos, na correspondência entre Hussein ibn Ali e Henry MacMahon, dividida com os franceses no Acordo Sykes-Picott (com a divisão em esferas de influência) e mais tarde prometida na Declaração de Balfour como o território para um futuro lar judaico, tornou-se num inevitável pesadelo geoestratégico internacional.

A onda de imigração judaica no período entre a I e a II Guerras Mundiais, pontuada por ataques de uma guerrilha de libertação da “Terra de Israel”, a má consciência das potências vencedoras da II Guerra Mundial que sentiam ter falhado ao povo judeu na Europa, e o horror do Holocausto, tornou quase inevitável a cedência para a criação do Estado de Israel.

Para não deixar completamente de fora as pretensões dos árabes que aí viviam há séculos, em 1948, espartilhou-se o território numa divisão tipo bolo-de-mármore que teve o condão de deixar toda a gente insatisfeita e a região num estado de permanente panela de pressão.

Durante os últimos 75 anos as tensões têm sido permanentes, e todos os acordos de paz condenados ao insucesso. Não tanto por falta de vontade de palestinianos e israelitas viverem em paz, como pela falta de vontade da comunidade internacional se empenhar na defesa do direito internacional com o mesmo afinco com que o faz noutras zonas do globo.

Por um lado, porque há um bloqueio ‘de facto’ dessa imposição das regras por parte do núcleo permanente do Conselho de Segurança da ONU, constituído pelas potências vencedoras da II Guerra Mundial. O problema é que quando as sanções, tal como as leis, não saem do papel e não são impostas, deixam de ter a necessária força dissuasora. O Hamas e este governo de Israel sabem disso há muito tempo.

Crescemos no mais longo período de paz na Europa central que contribuiu para termos ficado (erradamente) convencidos da irrepetibilidade da banalidade do mal.

A paz nasceu de uma ideia genial de que a melhor garantia da nossa sobrevivência é o reconhecimento mútuo da humanidade do outro. Não por razões altruístas, mas por imperativo egoísta – a proteção universal do outro e do seu direito a existir é o último reduto moral quando nós formos esse outro.

A Desumanização do outro reflete-se e cola-se em nós. Desumaniza-nos. Mata-nos lentamente.

Quem se esquece ou não aprende com os erros cometidos vai, certamente, repeti-los.

Quando esquecemos o “nunca” em «Nunca Mais!», voltamos ao “mais”…

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