Quando uma direção partidária perde uma bússola ideológica (isto, assumindo que alguma vez a terá tido), o barco é guiado pelo sabor de uma interpretação de uma presumível “vox populi”, um vento que pode variar entre brisa e tempestade. É um caso de ‘pescadinha de rabo na boca’, em que a suposta vontade popular é usada como justificação da (in)ação política, vontade essa servida à população com a famosa expressão “ele cá diz o que pensa”. Tudo parte de uma triste novela populista que a democracia atual nos proporciona.
Mas onde originam essas vontades? Um exemplo são os famosos “focus groups”, compostos por cidadãos aleatórios que à volta de uma mesa discutem temas avulsos para os decisores avaliarem a receptividade dessas ideias junto do eleitorado. Mais do que a fundamentação científica e política, o valor das medidas derivam somente da aparente aceitação imediata dos inquiridos.
Outro exemplo prende-se com a utilização de uma corte de séquitos em torno dos decisores, cuja principal preocupação prende-se em apaziguar e contentar as vontades superiores com os seus pareceres “especialistas”. Um dos perigos de se recorrer em demasia a este fechamento sobre si mesmo, encontra-se plasmado no conto do dinamarquês Hans Christian Andersen, “O Rei vai nu”, onde todos os súbditos alimentam a loucura do rei. Todos à exceção de uma criança que com coragem diz o óbvio.
É pela capacidade de planear recursos e antever tempestades que se devem avaliar projetos políticos, sempre numa base dos princípios fundamentais para a sociedade que esse projeto defende. O seu oposto também é verdade. Seja em que nível de governação.
Perante o escândalo da atribuição de licenças de alojamento local numa cooperativa de habitação no Funchal, a resposta oficial não é demonstrar melhorias na fiscalização dessas mesmas licenças, mas antes suspender por completo o alojamento local, tentando com esse gesto teatral varrer para debaixo do tapete o erro interno, ainda para mais em plena época de campanha eleitoral para as autárquicas.
Convém relembrar o contexto em que esta decisão é tomada. Depois de manifestas vezes o PSD Madeira ter reagido tempestivamente a qualquer limitação ao alojamento local no nosso país, mesmo tendo em conta que a crise habitacional já se adensa há vários anos. Recordemos as palavras do presidente regional: “essa ideia socialista de controlar preços, controlar o mercado, leva à intervenção do Estado, o que vem criar disfuncionalidades no mercado e vem prejudicar toda a gente”. Mais do que as propostas em si, o combate é dirigido contra o mensageiro. E agora já defende o oposto do que dizia somente há seis meses. Sempre torpedeando e sequestrando os verdadeiros propósitos da autonomia para a própria sobrevivência política.
Assim, hoje em dia – devido a um focus group qualquer ou informações especialistas da corte – essas malfadadas “intervenções do Estado” já não só são toleradas como incentivadas. Tudo porque se sente que o vento mudou em termos de opinião pública. Não porque se considere que as distorções de mercado sejam realmente necessárias para serem reparadas.
Isso seria só possível com a tal bússola ideológica que há muito está avariada nessa embarcação.
Sugestão da semana: Uma ida ao cinema para ver “Éden”, um filme que narra uma história (quase) verídica dos anos 30 do século passado numa ilha dos Galápagos, e nos faz pensar sobre a natureza humana e a inevitável repetição da História.