As feiticeiras

Sempre me pelei com um medo medonho dessas cadelas. Lembro-me da senhora Virgínia “dei Lopes” contar histórias de feiticeiras, de pé, junto ao jardinzinho, e a malta nova à roda dela, a beber as suas palavras. Não me lembro das histórias em si, mas recordo o medo que eu tinha daquelas cachorras e de abafar a cabeça com os cobertores à noite a pontos de sentir falta de ar, não fosse se dar o caso de elas raparem a minha cabeleira durante o sono. Desse tempo, também me recordo da senhora Bega confessar a minha mãe, em segredo, que não tinha dormido nada nessa noite com uma danada duma feiticeira a arrastar uma corrente no terreiro para cá e para lá só para atormentá-la. Quando eu questionei o que era a conversa, minha mãe atalhou logo, explicando que era Julinha de Catarina que estava avariada do juízo e que andava toda a noite pelo sítio a fazer tontices. Cá nada! Eu sei! Aquilo eram as feiticeiras! A senhora Maria José de Umblina, dessas narrativas, também tinha poucas e boas. Eram luzinhas pelo ar e vozes maviosas que acompanhavam ao longe o brinquinho onde ela ia, pelo Muro da Coelha e pelo Vale Formoso, quando se dirigiam em grupo, homens e mulheres, cantar os reis a casa dos senhores onde serviam de criados. Sempre que se viravam para trás, as malditas paravam. Um dia, ela também me contou que o seu filho do meio, o primo Jorge, chegou a casa lavado em suor, cheio de medo. O diabo de uma feiticeira disfarçada de macho não o largara o tempo todo pelas Pedras fora. Não havia luz elétrica e quando ele começou a subir a Azinaga, encostado ao muro, apareceu-lhe um grande homem, que foi crescendo e foi crescendo, e que corria ao lado dele com uma coisa na algibeira a fazer uma rostilhada. Ao ver o filho chegar, sem fôlego da corrida, a senhora Maria José benzeu-se e benzeu o filho.

– Só em cima da rocha é que ela me largou. Não sei para onde foi – disse o rapaz.

– O que trazes dentro da algibeira? – perguntou a mãe.

– “Rabuçados” – respondeu o jovem.

– Quem sabe se o homem que tu viste era a tua sombra – está lua -, e a rostilhada que tu ouvias eram os “rabuçados” a chocalhar dentro da tua algibeira?

Desta vez, as feiticeiras estavam inocentes – o que é da verdade diz-se. Mas daquela vez em que veio pelo ribeiro fora um patinho que foi crescendo, crescendo, até ficar do tamanho duma pessoa, e depois desapareceu, ninguém sabe para onde? Era ou não era obra das feiticeiras? Era.

Neste moderníssimo século XXI, fui aqui há dias com o Grupo de Poesia da C.P de S. G. ouvir histórias do antigamente à Biblioteca de Câmara de Lobos. Gostámos muito. Uma das histórias de feiticeiras era assim: Um grupo de homens do Curral tinha combinado se encontrar pela madrugada para ir à cidade vender os seus produtos no Mercado. Estavam à espera uns dos outros, quando um disse que tinha de ir beber água à fonte. Pois sim! Ao chegar lá, o homem deparou-se com uma púcara no chão e vai daí deu-lhe com o pé. Ora, de dentro da púcara saiu uma mulher encantadora que lhe disse assim:

– Olha, tu vais ir me pôr a Machico.

O homem coitado esquivou-se dizendo que Machico era muito longe.

– Ou tu vais me pôr a Machico ou eu dou-te um banano que tu ficas aí mesmo com as canelas desmentidas – disse ela e ordenou – agacha-te que eu vou-me pôr às tuas cavalitas.

E assim foi. Num abrir e fechar de olhos chegaram a Machico.

– Agora vais bailar comigo – disse ela.

Bailaram e bailaram e quando ela estava satisfeita, disse assim: “Pega esta mancheia de castanhas secas pela paga do bem que me fizeste. E agora vai.”

Quando deu por si, já estava ele na fonte, outra vez, e foi logo a correr ter com os outros. “Já fui a Machico e já vim” – disse cheio de cagança.

– “Co” mentiroso – responderam.

Lá ele contou o episódio todo e gloriou-se “Ela deu-me uma mancheia de castanhas secas”. E então, cheio de si, tirou a mão da algibeira e apresentou cinco caganitas de cabra!

Cadela de feiticeira!

Sílvia Mata escreve ao domingo, de 4 em 4 semanas.

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