Quando tudo se complica na frente de combate aos incêndios, os psicólogos do INEM são chamados a ajudar civis e operacionais a enfrentar a perda e o luto e a racionalizar e aceitar decisões difíceis, como sair do local.
Nos últimos dias o Centro de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise (CAPIC) do INEM já prestou assistência psicológica a 33 pessoas, 30 civis e três bombeiros, nas localidades de Sernancelhe, Covilhã, Mirandela e Oliveira do Hospital, segundo dados do INEM enviados à Lusa.
“Talvez ao olhar para eles [os números] não pareça corresponder àquilo que o país está a atravessar neste momento, não é? Mas, efetivamente, é o registo que nós temos”, disse à Lusa Sónia Cunha, a psicóloga responsável pelo CAPIC, que adiantou ainda que há alguns apoios prestados por telefone não contabilizados nestes dados.
A ativação das Unidades de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise (UMIPE) para os cenários de fogos acontece ou por contacto para o 112, havendo uma decisão face ao sinistro comunicado de mobilizar também as unidades de apoio psicológico, ou por decisão dos postos de comando operacional no terreno.
Este ano três bombeiros já necessitaram de apoio psicológico, dois na Covilhã, onde um acidente rodoviário com um carro de combate aos incêndios vitimou mortalmente um dos bombeiros que seguia na viatura e deixou outro gravemente ferido, e um em Mirandela, onde morreu um homem que operava uma máquina de rasto no combate aos incêndios.
“Estamos muitas vezes numa primeira fase com estes operacionais e, sim, fazemos naturalmente avaliação, percebemos a capacidade funcional destes operacionais, no sentido de perceber a capacidade de manutenção ou até sugerir pausas, sugerir afastamento destes contextos”, explicou a psicóloga, referindo ainda que é feito um trabalho de educação comportamental de prevenção de riscos.
No caso do acidente da Covilhã, as equipas do INEM focaram-se em apoiar a família, cabendo às equipas de apoio psicossocial (EAP) da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) o apoio à corporação de bombeiros.
“Há sempre nestas situações um aumento da vulnerabilidade. As pessoas estarem mais expostas, por perderem o controlo sobre as suas vidas, sobre o que está à sua volta. O desespero, uma maior angústia. E isto, neste contexto de perda de vidas, mas que surge também noutros contextos de outras perdas. Esta vulnerabilidade e perda do controle é algo que é muito transversal nestes contextos de incêndios”, disse Sónia Cunha.
A atuação dos psicólogos nos cenários de incêndio também pode salvar vidas, quando são chamados a ajudar a convencer bombeiros e civis a abandonar os locais ameaçados pelas chamas. Por parte dos bombeiros há uma resistência a obedecer pelo “sentimento de compromisso” inerente à missão, cabendo aos psicólogos ajudar a racionalizar a reação emotiva.
Este ano as equipas do INEM ainda não foram chamadas a ajudar as autoridades na retirada de civis.
“Este ano não tivemos intervenção a este nível, mas sim, há um trabalho que às vezes fazemos nesse sentido de situações mais complexas ou mais morosas, em que há mais resistência e em que com isso possam colocar em risco não só as próprias pessoas, mas também quem as vai socorrer”, explicou a responsável do CAPIC.
O INEM sublinha que a intervenção do CAPIC “revela-se fundamental para a regulação de sentimentos de angústia, medo e ansiedade, entre outros sintomas, com o objetivo de promover o desenvolvimento de estratégias ativas de adaptação em situações de crise, minimizar o impacto negativo dos acontecimentos, restaurar o nível funcional e prevenir a exacerbação de sintomatologia psicológica”.
Daí que Sónia Cunha tenha dificuldades em perceber o que justifica que este ano estes profissionais especializados para lidar com situações de crise estejam a ser pouco solicitados.
“Nós temos essa perceção de que este ano não têm surgido tantos pedidos de atuação das nossas equipas no terreno. É, de facto, uma constatação que temos, mas defendemos claramente a relevância e a pertinência para as comunidades afetadas e para os operacionais a presença e a integração dos psicólogos de emergência na primeira linha e logo no momento zero, juntamente com as restantes equipas”, disse.
“As nossas unidades estão disponíveis, continuam disponíveis todos os dias, 24 horas, mas não têm surgido, não nos têm chegado pedidos, solicitações”, acrescentou.
Sobre as razões na base da baixa solicitação, a psicóloga disse poder apenas especular, mas admite que possa haver novas diretivas ou um recurso por parte dos municípios a meios locais, próprios.
O INEM está neste momento a preparar com a Ordem dos Psicólogos um reforço da assistência psicológica a populações afetadas pelos incêndios, nomeadamente em soluções que garantam a continuidade da assistência, uma vez que as equipas de crise estão vocacionadas para um apoio imediato, que não se estende para além de dois ou três dias.