No verão de 1385, o destino de Portugal pendia por um fio. Com a morte do rei D. Fernando e sem herdeiro varão, a sucessão ao trono português tornou-se incerta. João I de Castela, casado com Beatriz, a única filha de D. Fernando, reclamou o trono e proclamou-se rei de Portugal. Mas a sua ambição ia além do matrimónio. Queria unir os dois reinos sob uma só coroa, pondo fim à independência portuguesa.
Em 1384 já havia tentado conquistar Portugal ao cercar Lisboa, mas foi firmemente repelido. Foi D. João, Mestre de Avis, quem liderou a resistência dentro da cidade, lado a lado com Nuno Álvares Pereira. A vitória em Lisboa inspirou o povo, que agora se preparava para o confronto decisivo. Unidos em torno do Mestre de Avis e do Condestável, Portugal estava pronto para resistir.
O exército castelhano, com mais de 30.000 homens, avançava com cavaleiros franceses e mercenários genoveses. Portugal reuniu pouco mais de 6.500 combatentes, mas não estava sozinho. Arqueiros ingleses, veteranos da Guerra dos Cem Anos, juntaram-se às fileiras. Foram colocados nos flancos e na ala dianteira direita, onde o seu impacto seria devastador.
D. Nuno, o Condestável, escolheu com brilhantismo o campo de São Jorge, junto a Aljubarrota. Posicionou as tropas no cimo de um outeiro plano, ladeado por ribeiros, transformando o terreno numa fortaleza. Preparou o campo de batalha com trincheiras, paliçadas de madeira e covas de lobo (buracos em forma de cone, forrados com estacas afiadas). Camuflados por ramos, esperavam a carga da cavalaria castelhana. Antecipou um ataque frontal e manobras de flanco, protegendo cuidadosamente todos os lados.
O exército português estava estruturado com precisão. No centro, infantaria armada com lanças, espadas e escudos. Nos flancos, arqueiros ingleses e besteiros portugueses prontos para travar avanços laterais. Na vanguarda, o próprio D. Nuno, conduzindo as linhas da frente. Na retaguarda, o rei D. João observava com os seus cavaleiros, calmo e preparado. Atrás deles, a carruagem, encarregues da logística, apoio e última linha de defesa.
A 14 de agosto, ao meio-dia, os castelhanos atacaram. A sua cavalaria pesada investiu com fúria, mas partiu-se contra as paliçadas e caiu nas armadilhas ocultas. As manobras de flanco falharam, detidas por uma chuva mortal de flechas e virotes. A infantaria portuguesa manteve-se firme, com disciplina e determinação. A ala dos Namorados, formada por jovens cavaleiros, combateu com coragem inigualável. D. Nuno, no coração da batalha, movia-se como sombra e aço, comandando com fé e génio militar.
Ao pôr do sol, o exército castelhano jazia destroçado. Portugal triunfara contra todas as probabilidades. D. João I era aclamado rei. Nascia a dinastia de Avis. E com ela, garantia-se o futuro de um Portugal independente.
Em sinal de gratidão, o rei mandou erguer o Mosteiro da Batalha — monumento à fé, à vitória e à liberdade. E do meio do povo surgiu uma lenda: Brites de Almeida, a padeira de Aljubarrota. Conta-se que encontrou sete soldados inimigos escondidos no forno da padaria e os abateu com a pá do pão. Mais do que uma história, tornou-se símbolo de um povo destemido e indomável.
A Batalha de Aljubarrota foi mais do que uma vitória militar. Foi o momento em que uma nação escolheu o seu destino. Os portugueses tinham apenas dois caminhos: liberdade ou morte. E, perante todas as adversidades, escolheram erguer-se e lutar.
Foi ali, em Aljubarrota, que nasceu a alma da guarnição de elite portuguesa. E com ela, o impulso de uma nação que ousou descobrir o mundo. Um legado nascido em combate e levado com coragem através do oceano.
A vitória em Aljubarrota não foi apenas uma afirmação militar. Foi a consagração de um povo que recusou ser apagado, absorvido ou mandado por outrem. A coragem de então selou a nossa independência, firmou-nos como Nação e lançou-nos ao mundo como navegadores, criadores e resistentes.
Ganhámos um destino próprio, uma identidade forjada no sacrifício e na fé, mas ao longo dos séculos, entre conquistas e perdas, fomos esquecendo que a liberdade nunca é garantida: conquista-se todos os dias.
Hoje, vivemos num país onde a coragem parece por vezes substituída pela resignação, onde o sentido de comunidade rareia e onde a memória coletiva é frágil e apressada.
Perdemos unidade, propósito, talvez até um pouco da ambição que outrora nos guiou pelos mares. Mas ainda somos herdeiros desse instante fundacional, dessa escolha entre submissão ou soberania. E enquanto nos lembrarmos que Portugal nasceu em dias como o de Aljubarrota, pela vontade de um povo em pé, nunca estaremos completamente perdidos.