AL: Despertar para um problema?

Entre a indiscutível valorização e recuperação de imóveis citadinos e a carga que acarretou para as infraestruturas turísticas, entre o benefício que propicia aos proprietários de imóveis, durante anos espartilhados em leis draconianas de arrendamento e regras fiscais altamente penalizadoras, e o aumento da procura de fogos para habitação em espiral de preços, o alojamento local tornou-se tema político relevante.

Com pouco mais de 10 anos de existência legal, o alojamento local passou por diferentes fases, desafiando hoteleiros, condóminos e ultimamente entidades públicas. Não só em Portugal, mas em todas as instâncias europeias vocacionadas ao Turismo.

Importa desde já referir que a lei dos empreendimentos turísticos não teceu qualquer norma sobre o alojamento local e o plano de ordenamento turístico regional não prevê qualquer objetivo ou limitação a essa atividade. É até curioso constar que nesse POT há limitação de determinados empreendimentos hoteleiros em certos locais na Madeira, mas nada se disse sobre o AL! Propositadamente, o alojamento local não teve regras especiais de licenciamento para além das que se circunscreveram a questões de segurança. Repito, propositadamente!

Também importa referir que foram os alojamentos locais que permitiram um maior acréscimo de turistas à Região, dando um exponencial aumento da capacidade de alojamento. Em 10 anos o número de camas hoteleiras cresceu cerca de mil em cada ano e no alojamento local em toda a sua dimensão, esse crescimento anual deve ter ultrapassado as 4 mil. Só no Funchal entre 2022 e 2025 houve um crescimento de 182% no número de registos, representando uma percentagem superior a 25% face à capacidade hoteleira.

Estou convencido que esse crescimento é um dos principais fatores para o aumento das receitas fiscais cobradas na Madeira em especial dos impostos indiretos (cerca de 15% em 2024). É também por isso natural que o poder público “goste” do alojamento local.

Ténue e parcimoniosamente o legislador nacional começou a alterar a sua perspetiva inicial. A pressão sentida em zonas históricas e a intranquilidade de alguns moradores em apartamentos, fez com que de mera atividade consentida passasse a ser necessário o preenchimento de outros pressupostos para a sua autorização ou bem como para justificar o seu cancelamento. As Câmaras Municipais, através do seu Presidente, passaram a ter mais competência na autorização da atividade e também no cancelamento de alojamentos autorizados.

É neste quadro que tomamos conhecimento do anúncio de uma deliberação da Câmara Municipal do Funchal de suspensão provisória por seis meses da emissão de novas licenças de Alojamento Local em prédios com apartamentos. A suspensão é anunciada como prévia a um Regulamento Municipal sobre a matéria, a aprovar só na próxima vereação (a que resultar das eleições de 12 de outubro).

Assegura a comunicação da autarquia que não haverá cancelamentos nem revogação de direitos adquiridos, mas apenas uma limitação aos novos pedidos.

A decisão camarária é surpreendente por três ordens de fatores:

1. Não nos parece que haja cobertura legal para esta genérica suspensão. As suspensões em matéria de licenciamento ou autorização são possíveis no urbanismo quando se aprova o início de um procedimento para uma novo Plano de ordenamento do território. Não descortinamos norma que as preveja quando está em causa uma atividade económica e em especial sem expressa causa que fundadamente a justifique;

2. Por outro lado, fica a faltar um necessário enquadramento regional (logicamente mais vasto do que um território municipal) que faça incluir esta atividade no âmbito do turismo e procure satisfazer exigências de qualidade e de preservação de recursos, essenciais ao futuro do nosso turismo;

3. Pelo anúncio feito também nos parece ser uma decisão cega ao caso concreto, que até pode justificar registos em apartamentos (onde haja poucos residentes madeirenses por exemplo) particularmente se já houver outros no mesmo prédio, e desproporcionada para eventuais investimentos feitos na expetativa de um registo de AL.

Por último, devia ser mais fácil adotar o procedimento de cancelamento nos casos mais aviltantes e com os argumentos que a lei propicia, do que aprovar generalizadas suspensões que até podem dar origem a uma clandestinidade sem grande capacidade de ser fiscalizada.

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