Mobilidade: Direito ou Luxo?

Por muito que o tentem disfarçar com plataformas “milagreiras” e promessas ocas, a verdade é esta: o atual modelo do Subsídio Social de Mobilidade transforma os madeirenses em fiadores do próprio Estado. E quando o direito à mobilidade exige um esforço financeiro que muitos não conseguem suportar, deixamos de falar de cidadania plena para mergulhar num sistema profundamente injusto e discriminatório.

A narrativa oficial — a de que o reembolso é feito “num prazo muito curto” — esconde uma realidade dura: só viaja quem pode pagar primeiro. E isso, para muitas famílias madeirenses, não é uma opção. Não importa quantas vezes repitam que o sistema funciona. Quando pais, doentes, estudantes e trabalhadores são obrigados a antecipar 300, 400 ou até 600 euros por bilhetes de avião, estamos perante um obstáculo real, um muro invisível que separa os cidadãos de direitos fundamentais consagrados na Constituição. A mobilidade, repito, não é um luxo. É um direito.

Vejamos três exemplos simples, mas reveladores:1. Família de classe média, dois filhos a estudar em Lisboa. Para passarem o Natal juntos, terão de adiantar cerca de 800 euros em bilhetes de ida e volta. O valor legalmente devido seria apenas 59€ por estudante, mas o modelo atual obriga os pais a avançarem com um montante que, para muitas famílias, representa quase um salário inteiro. Sem cartão de crédito ou apoio bancário, estes filhos não vêm a casa. Ponto final.2. Paciente oncológica ao procurar tratamento na Fundação Champalimaud, em Lisboa. Vive no Funchal e tem de viajar ao continente todos os meses. O subsídio deveria limitar o custo da viagem a 79€, mas cada deslocação custa-lhe mais de 350 euros. O reembolso chega? Sim. Mas só após a compra, e depois de preencher formulários, apresentar faturas e esperar. Isto se o Sistema de processamento do Subsídio Social de Mobilidade não estiver indisponível, como tem sido frequente. Como é que se justifica obrigar um cidadão doente a suportar uma despesa que o Estado reconhece como ilegítima?3. Casal de jovens trabalhadores com um filho recém-nascido. Querem visitar a família em Coimbra, mas o preço total ronda os 800€. Legalmente, deveriam pagar 79€ cada adulto e 0€ pela criança. Mas como não há desconto direto, são obrigados a hipotecar o orçamento familiar para manter laços afetivos básicos.

Enquanto isso, o Governo Regional da Madeira assina pareceres que validam este sistema, desiste do pagamento à cabeça, e alinha-se com a proposta centralista de uma plataforma digital que — pasme-se — continua a exigir o pagamento total antes de qualquer reembolso.

Com o silêncio cúmplice do PSD e do CDS, os mesmos que na campanha prometem resolver o problema, mas em Lisboa votam contra as propostas que realmente o fariam.

É revoltante ver partidos autoproclamados autonomistas vergarem-se à tutela de Lisboa, trocando os direitos dos madeirenses por expedientes tecnológicos que não resolvem o essencial. Esta submissão política alimenta um sistema que trata os residentes das Regiões Autónomas como cidadãos de segunda. Enquanto nas Canárias o desconto é imediato, aqui seguimos presos a um modelo burocrático, ineficiente e economicamente opressivo.O JPP pode não ter maioria, mas tem tido coragem. Trouxe o tema à Assembleia da República, fez o que muitos não fizeram em anos. E mais: levou a queixa à Comissão Europeia, denunciando o que é, de facto, uma violação do princípio da coesão territorial. Enquanto uns se calaram, o JPP deu voz à indignação de milhares.Estamos a falar de um direito consagrado. O artigo 174.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia é claro: as regiões ultraperiféricas devem ver compensadas as suas desvantagens.

A Madeira é uma dessas regiões. E o Estado português está a falhar.

Este é o momento de decidir se queremos continuar a ser fiadores de um Estado ausente ou se exigimos, com firmeza, aquilo que nos é devido: justiça, equidade, mobilidade digna.

Porque a mobilidade não é um privilégio de quem tem cartão de crédito. É um direito de todos os madeirenses. E os direitos não se pedem de joelhos. Exigem-se de pé.A Madeira não quer favores. Quer justiça. E justiça começa por não ter de pagar para ter direitos.

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