O sabão azul

Havia algo de simples e inevitável na forma como o sabão azul fazia parte da nossa vida. Não era uma questão de escolha, nem um produto especial; era o único que existia, e tudo tinha de ser feito com ele. Um símbolo de uma época. Estava sempre presente em casa, no quotidiano das pessoas: na cozinha, na casa de banho e até no tanque de lavar roupa, mais conhecido por “poço de lavar”. Considerado um sabão desinfetante e neutro, servia para tudo – da roupa à loiça, passando pelo banho. Era um produto multifunção. Não havia amaciadores, gel ou diversidade do que há hoje.

A sua presença constante representava, na verdade, a realidade de uma vida sem luxos, mas com um valor imenso na sua autenticidade. Comprava-se à barra, na mercearia, embrulhado em folhas de jornal, e a sua utilidade ia muito além da simples limpeza. Era uma peça fundamental na rotina doméstica, adaptada conforme a necessidade.

Naquele tempo, não havia máquinas de lavar. A roupa era lavada à mão, no tanque ou em banheiras, onde ficava de molho com água e sabão para facilitar a lavagem. Quando estava encardida, o sabão em barra azul resolvia o problema. Deixava-se a roupa bem ensaboada ou esfregava-se diretamente antes de a colocar ao sol para coarar. Depois, passava-se por água limpa e voltava-se a pendurar na verga.

Para a loiça, usava-se um pedaço mais pequeno de sabão azul. As panelas, com a ajuda do esfregão e do sabão azul, ficavam a luzir.

Na casa de banho, bastava um pequeno pedaço no lavatório ou no duche. Usava-se para lavar o corpo e até o cabelo. Na altura, acreditava-se que o sabão azul era bom para a caspa, para a oleosidade e fortalecia o cabelo.

Depois de um dia de trabalho no campo, esfregavam-se as mãos e os pés calejados com sabão azul e uma pedra de calhau, para retirar a sujidade entranhada. Era um produto simples, mas que parecia ter uma espécie de magia – limpava, aliviava e, de certa forma, cuidava.

A sua utilidade estendia-se até às tarefas mais exigentes. Na matança do porco, por exemplo, depois de se queimar o pelo, esfregava-se com carqueja, água e sabão azul para limpar a pele antes de raspar com um utensílio laminado. O mesmo acontecia com as galinhas – depois de queimar a penugem, lavavam-se com sabão azul para remover os últimos vestígios.

Com o tempo, começaram a surgir outras opções. Quando apareceu o sabão em barra Clarim, de cor clara, com o seu aroma mais suave e doce, não passou despercebido. Especialmente para a roupa, tornou-se uma novidade tentadora. Vinha em barras mais pequenas, embrulhado em plástico, e prometia deixar a roupa com um cheiro mais agradável depois de seca ao sol.

Mais tarde, vieram ainda mais modernices. O sabão em pó, como o OMO, trouxe outra revolução às rotinas domésticas. No entanto, nem assim o sabão azul perdeu o seu lugar. Nas casas dos nossos pais e avós, continuava lá – discreto, mas indispensável.

A verdade é que o sabão azul não era apenas uma questão de cheiro ou de cor. Fazia parte do quotidiano, daquelas coisas que não se escolhem – simplesmente existem e cumprem o seu papel. Importava que a roupa ficasse limpa, que a loiça brilhasse, que o corpo fosse lavado – e isso, o sabão azul fazia sem falhar.

Hoje, quando se fala do sabão em barra azul ou do Clarim, evocam-se tempos de casas antigas, de avós e de rotinas simples. Mas para quem viveu essa época, não há nostalgia adocicada. Era o que havia – e havia tarefas que tinham de ser feitas. Lavava-se a roupa, tomava-se banho, e não se perdia tempo a pensar em alternativas.

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