Trabalho, Família e Natalidade: Um Desafio Coletivo

Um dos assuntos na ordem do dia, que tem gerado intensas reações, é o anteprojeto da lei de reforma da legislação laboral proposto pelo Governo. O ponto que maior controvérsia tem suscitado é a alteração às regras da dispensa de amamentação, que exige agora um atestado médico logo no início desse período.

Este é um tema que diz respeito sobretudo às mulheres, mas é também um assunto das famílias e da sociedade, carecendo de ampla discussão, e consenso o mais alargado possível. Nas últimas décadas, as mulheres conquistaram, por mérito próprio, importantes direitos e considero que o futuro deve passar pela consolidação e pelo aperfeiçoamento desses mesmos direitos.

Focar unicamente na dispensa para amamentação é redutor. Para as mulheres, para as famílias, para as entidades patronais e para o país. Portugal, tal como a Madeira, enfrenta um grave problema demográfico, com uma pirâmide populacional invertida, mais óbitos do que nascimentos, e um envelhecimento acentuado. Ainda assim, medidas como a proposta pelo Governo parecem, e sublinho o parecem, não ajudar a inverter esta tendência.

O verdadeiro cerne da discussão não pode ser a amamentação como tema isolado. Vivemos tempos em que se valoriza mais o número de horas trabalhadas do que os resultados. A produtividade efetiva conta pouco. E é precisamente aqui que se cruza o debate laboral com as questões demográficas. Porque só se consegue conciliar vida pessoal, familiar e profissional com uma mudança de fundo na forma como pensamos e organizamos o trabalho.

Atualmente, muitas famílias vivem num constante malabarismo entre horários rígidos, deslocações demoradas e ausência de suporte da família alargada, das entidades patronais e até mesmo dos organismos públicos. Estas dificuldades inibem a decisão de ter filhos, o bem-estar infantil e a saúde mental dos adultos. Por isso, mais do que discutir atestados, é essencial promover uma verdadeira cultura de conciliação.

Portugal pode — e deve — aprender com o que de melhor se faz lá fora. Desde logo, alargando e flexibilizando as licenças parentais, incluindo uma licença obrigatória e bem remunerada para os pais, como na Suécia ou Noruega. Isto promove a corresponsabilidade desde o início, combate a discriminação laboral das mulheres e valoriza o papel dos pais.

O incentivo ao teletrabalho parcial e a horários mais flexíveis, sobretudo nos primeiros anos dos filhos, é outro passo essencial. A pandemia demonstrou que a produtividade não depende da presença física constante. Essa experiência deve ser regulamentada e consolidada.

Importa também reforçar a rede de creches e jardins de infância públicos, acessíveis e de qualidade. O custo e a escassez de vagas continuam a ser obstáculos relevantes para as famílias.

Medidas como bancos de horas familiares — que permitam ajustar o tempo de trabalho sem penalizações — ou uma cultura organizacional baseada na confiança e nos resultados, em vez da vigilância e do presencialismo, são igualmente essenciais.

Conciliação é qualidade de vida, é natalidade, é saúde pública e é coesão social. Mas é também produtividade e desenvolvimento. Um país que protege as famílias investe no futuro. É o momento de fazer disso uma prioridade estratégica. De colocar a felicidade das famílias no topo das prioridades das políticas públicas.

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