A Madeira está a ferver. E não, não é apenas por causa do calor húmido que nos aflige e faz suar até as pedras da calçada por estes dias.
É uma outra temperatura, mais política e social, resultante de uma ebulição lenta que só agora transborda.
É verdade que muitos dos assuntos que hoje ocupam o debate público não são novidade. São feridas antigas, mal saradas. Algumas nem tiveram direito a pensos rápidos. Foram ignoradas. E carecem agora de tratamento prolongado.
No caso do SESARAM, noticiado pelo JM no decurso da semana, a tensão não é só institucional. É quase existencial. Há problemas de fundo entre a direção clínica e a administração do SESARAM. Todos sabem, principalmente quem anda pelos corredores da saúde. Não são novos, estão identificados e necessitam, obviamente, de acompanhamento.
Micaela Freitas já se apercebeu disso. Terá evitado um problema no imediato. Mas a pressão continua, e o silêncio institucional só acentua a desinformação, deixando transparecer um sinal de desorientação, quando o momento exige uma posição de força… e de reconhecimento pelo diálogo que tem existido.
Nos transportes, o confronto entre táxis e TVDE tornou-se mais do que uma disputa comercial: é um espelho de dois mundos similares que não se entendem. Um representa o passado, com direitos adquiridos; o outro, o futuro, com exigências de adaptação. O problema é que a mediação parece impossível. E a legislação confusa e/ou descomprometida só provoca brigas num setor que necessita de confiança, diálogo e regras claras. Por enquanto, tudo parece em falta.
Mesmo a polémica das lapas, que hoje é noticiada pelo Jornal, revela uma tensão que parece difícil de atenuar. Os pequenos mariscadores sentem-se traídos por decisões que consideram cegas à realidade social e económica de quem vive do mar. As explicações técnicas não apagam o sentimento de injustiça e a convicção de que, como tantas vezes, os mais frágeis pagam toda a fatura, num sistema talhado para compensar quem menos precisa.
No meio de tudo isto, há ainda o ruído da política, onde as autárquicas funcionam como um caldeirão prestes a rebentar. Nos bastidores, os sorrisos fingem consensos. Mas todos sabem que a campanha vai deixar marcas e distanciamentos (ir)reversíveis.
Até os representantes da diáspora, que chegaram à ilha com espírito de reencontro, parecem ter sido tocados por este ambiente. No Fórum Madeira Global, ficou claro que há um défice de entendimento entre os responsáveis governamentais — incluindo de Lisboa — com os emigrantes. Os discursos foram eloquentes, mas não esconderam a distância entre o que se diz e o que falta fazer. Há focos de insatisfação, e foram transmitidos de viva-voz. Importa agora refletir e perceber se vale a pena seguir em frente ou alterar o rumo em algumas matérias. O que não devem é deixar andar.
No fundo, o que aquece a Madeira não é só o clima. É a sensação de que os problemas se acumulam e se prolongam sem mediação ou, em alguns casos, o mínimo de atenção. E isso, mais do que o sol ou o calor, é o que verdadeiramente incomoda.
Porque a fervura social — ao contrário da meteorológica — não passa com uma brisa refrescante. Requer coragem e frontalidade. E isso, infelizmente, continua em falta.