A Nova Arquitetura Orçamental da UE Pós-2027 – onde ficam as RUP?

As Regiões Ultraperiféricas (RUP) da União Europeia (UE), como a Região Autónoma da Madeira (RAM), são territórios com características geográficas e estruturais únicas que exigem uma abordagem diferenciada no acesso aos fundos europeus. Essa singularidade está consagrada no artigo 349.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), mas será que está devidamente protegida no Quadro Financeiro Plurianual 2028-2034 (QFP 28-34) proposto pela Comissão Europeia?

A proposta para o QFP 28-34 representa uma rutura com o modelo atual. A atual arquitetura orçamental da UE — onde coexistem políticas distintas com envelopes financeiros próprios, como a Política Agrícola Comum (PAC) e a Política de Coesão — poderá ser substituída por um único instrumento integrado. A intenção é reforçar a flexibilidade e o foco nos resultados.

No entanto, a realidade regional exige uma leitura mais crítica. Ao eliminar a compartimentação temática e regional que permite adaptar os fundos às realidades locais, corremos o risco de comprometer os princípios da subsidiariedade e da adicionalidade.

Um dos pilares da proposta da Comissão está na criação de Planos Nacionais e Regionais de Parceria (National and Regional Partnership Plans for Multiannual Financial Framework 2028-2034).

Contudo, a mudança efetiva é menos estrutural do que se anuncia: já hoje o Acordo de Parceria prevê programas regionais (Madeira2030) e temáticos (Sustentável2030). Ou seja, a real questão não está na operacionalização dos fundos europeus, mas na componente institucional da proposta: a integração, num só instrumento, de diversas políticas – coesão, agricultura, digitalização, saúde, transição energética.

A proposta levanta ainda reservas quanto à introdução de novas condicionalidades (macroeconómicas e de respeito pelo Estado de Direito) como critério para a alocação de fundos. Ainda que compreensível do ponto de vista político, pode traduzir-se numa lógica “top-down” que ignora as especificidades locais. Mais preocupante ainda é o risco destas decisões se tornarem instrumentos de “pork barrel politics” ao nível da governação local.

O caso da RAM pode vir a ilustrar bem este paradoxo, que tem demonstrado capacidade de operar dentro da atual arquitetura dos fundos e tem beneficiando de instrumentos específicos como o FEDER, FSE+, Fundo de Coesão, FEADER e FEAMP, bem como de majorações no segundo pilar da PAC (desenvolvimento rural). Não se trata de uma oposição à mudança. Trata-se, sim, de exigir que a mudança salvaguarde o que diferencia a RAM, que permita manter a sua capacidade de definir prioridades e de negociar instrumentos adequados às suas necessidades. A simples fusão administrativa de catorze (14) programas num só não resolve os desafios da RAM. Pelo contrário, pode exacerbá-los.

Neste quadro de análise, importa também olhar para dentro: não basta reclamar mais fundos ou invocar a ultraperificidade, se não houver capacidade real para os executar. São muitos os beneficiários — sobretudo a nível municipal — que continuam a evidenciar limitações estruturais no planeamento, execução e gestão técnica das operações aprovadas. A própria administração regional tem revelado dificuldades significativas na execução do PRR, não por falta de verbas, mas por insuficiência de recursos humanos especializados e de cultura de avaliação do impacto das políticas públicas.

Neste contexto, torna-se legítimo perguntar porque é que a posição regional ainda não contempla uma abordagem integrada e proativa que envolva todos os principais atores da governação territorial — Governo Regional, autarquias, universidades, setor social e tecido económico?

É incoerente exigir mais autonomia mantendo, em simultâneo, um ecossistema de fundos incapaz de acompanhar as mudanças anunciadas. A verdadeira mudança parte da redefinição interna do modelo de governação, que responda aos desafios do novo ciclo orçamental.

A coesão territorial não se faz apenas com vontade política. Exige capacidade de execução, articulação institucional e responsabilização local. O desafio não é apenas fazermo-nos ouvir. É garantir que, quando ouvidos, tenhamos também respostas eficazes, competências sólidas e visão estratégica para transformar recursos em desenvolvimento.

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