Um ano após a tomada de posse, o Parlamento Europeu encontra-se na plenitude das suas funções, e com isso avança uma das discussões mais determinantes para o futuro da União Europeia: a revisão do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2028‑2034, o orçamento europeu de longo prazo. Este exercício, que decorre num contexto geopolítico delicado, poderá redefinir as prioridades políticas da UE até 2034. Mas a forma como esse debate está a ser conduzido deixa sinais preocupantes, sobretudo para as regiões ultraperiféricas, como a Madeira.
No centro das atenções está a política de coesão. Historicamente, esta tem sido o principal instrumento da União para promover o desenvolvimento equilibrado entre regiões, reduzir desigualdades territoriais e garantir que a prosperidade europeia é partilhada por todos. No entanto assiste-se a uma crescente tentativa de desvalorizar a importância da coesão territorial, por parte de Ursula von der Leyen, da família política do PSD, em nome de outras agendas, nomeadamente a defesa e a segurança.
Com a guerra na Ucrânia a prolongar-se, o reforço da capacidade militar da União tornou-se uma prioridade clara para várias forças políticas no Conselho e no Parlamento. Não está em causa a legitimidade dessa preocupação, pois a Europa precisa de garantir a sua autonomia estratégica e a proteção dos seus cidadãos. A questão central é: a que preço se fará esse reforço? E o que se começa a desenhar é um verdadeiro risco de desinvestimento na coesão para alimentar exclusivamente o pilar da defesa.
Este é um erro histórico. Cortar na coesão para investir em defesa é uma inversão perigosa de prioridades. E pior: representa um retrocesso político face ao consenso construído após a pandemia, que demonstrou com clareza que resiliência significa também proximidade, solidariedade e capacidade de resposta às desigualdades internas.
Recentemente, durante uma visita oficial à Região Autónoma da Madeira, o coordenador dos Socialistas e Democratas na Comissão do Desenvolvimento Regional do Parlamento Europeu foi taxativo: está em curso uma tentativa de esvaziar politicamente e financeiramente a política de coesão no novo QFP. As regiões ultraperiféricas, como a Madeira, seriam das mais penalizadas por esta reorientação orçamental. Deixar que isso aconteça seria abdicar de décadas de progresso e desenvolvimento.
A política de coesão não é um instrumento de caridade institucional, nem uma simples redistribuição de fundos. É uma alavanca de desenvolvimento económico, social e ambiental, pensada com base na convergência e na solidariedade territorial. Sem ela, a Madeira não teria alcançado os progressos que hoje apresenta. E são precisamente esses progressos, ainda incompletos, que estarão em risco com um corte nos fundos estruturais.
O Partido Socialista tem reafirmado que a política de coesão deve continuar a ser central na arquitetura orçamental da União, e não o parente pobre a sacrificar em nome de novas prioridades conjunturais. É uma posição correta, que deve ser defendida com firmeza. A tentação de reduzir a coesão a um mecanismo meramente compensatório enfraquece não só as regiões, mas o próprio projeto europeu.
Sérgio Gonçalves, o único eurodeputado madeirense tem sido vocal nesta matéria. Mas que diz o Governo Regional de Miguel Albuquerque? Ou o Governo da República de Luís Montenegro? Apenas silêncio. Num momento em que se jogam decisões cruciais para o futuro da Região, seria de esperar uma postura ativa, exigente e estratégica por parte dos executivos madeirense e português. O silêncio institucional face a possíveis cortes nos fundos de coesão é, no mínimo, preocupante.
Que Europa queremos construir? Uma Europa blindada, mas fragmentada? Ou uma Europa resiliente, que investe de forma equilibrada no seu território, nas suas pessoas e no seu futuro comum?
A resposta a esta pergunta dirá muito sobre o rumo que tomaremos nos próximos anos. E a Madeira, como todas as regiões que acreditam numa Europa coesa e justa, tem o dever de se fazer ouvir.
Sara Cerdas escreve à terça-feira, de 4 em 4 semanas.