Uma vez, ouvi alguém dizer, com voz de culpa, que os filhos dele tinham as profissões que ele sonhara para si próprio. Fiquei a pensar: terá ele seguido o curso dos sonhos dos seus próprios pais? Mesmo assumindo a responsabilidade, vi subirem medalhas para o casaco deste pai. Imaginei as conversas entre eles, com os seus olhos de pai a brilhar, porque, afinal, os seus filhos tinham a profissão que ele não teve coragem de seguir.
É óbvio que ter orgulho dos nossos filhos é algo que só lhes faz bem. Principalmente se o expressarmos. No entanto, usá-los como medalhas, como prova do nosso próprio valor, é outra coisa.
Uma vez, vi um pai elogiar o filho de tal forma que, conhecendo o rapaz como eu conhecia, perguntei-me:
— De quem é que ele está a falar?
Do filho idealizado e imaginado por ele, ou do jovem simples e comum que eu tinha à minha frente?
O que senti naquele momento é o que muitos professores também sentem, quando um pai ou uma mãe critica as competências do professor, em vez de aceitar o verdadeiro esforço e as reais capacidades do filho.
Pensei também: será que este pai valoriza ou critica o filho na intimidade?
Filhos que não são vistos nem aceites como realmente são e programados para terem a profissão que “dá dinheiro” ou para corresponderem a um certo ideal de aparência e estatuto, acabam por sofrer. Adaptam-se. Muitas vezes, com estratégias que não são saudáveis.
Este ano, num inquérito realizado a alunos do ensino superior, em Portugal, 40% dos alunos tomam psicofármacos semanalmente, mais de 60% dizem-se exaustos e 41% tristes e deprimidos (JM Madeira). Há aqui um nível de burnout verdadeiramente preocupante. Este estudo deve ser visto como um alerta: algo não está bem.
Num estudo de Suniya S. Luthar, nos EUA, ficou provado que os filhos de famílias altamente abastadas estão, hoje, mais vulneráveis do que gerações anteriores semelhantes, devido à pressão constante por altos resultados e conquistas. São os filhos dos “colarinhos brancos”, os que, no futuro, poderão gerir o mundo.
O resultado? Ansiedade crescente e depressão, muitas vezes manifestadas através de atos de delinquência, furtos em lojas ou consumo de substâncias. Comportamentos que parecem gritar: “Por favor, deem-me descanso. Eu não consigo lidar com tudo!” (Suniya S. Luthar).
Segundo a investigadora, “Querer que os filhos deem o seu melhor é apropriado, mas, frequentemente, o que se vê é que os pais querem tudo acima do topo.” Medalhas?
A mensagem que os filhos ouvem, diz ela, não é: “Querido, faz o melhor que puderes.”
Mas sim: “Hoje, no jogo, não estiveste bem. Tens de melhorar.”
Ou: “Tens de superar as notas do último período, porque ficaram muito aquém.”
Somos pais imperfeitos a exigir filhos perfeitos?
Os jovens estão sob pressão. Mas porquê? E para quê?
Para além da crítica recorrente aos currículos escolares, é tempo de pensarmos: por que razão estão os jovens em sofrimento, num momento da vida que devia ser de alegria, curiosidade e motivação?
É fundamental avaliarmos a nossa reação aos sucessos e aos insucessos dos nossos filhos. Eles não são medalhas para usarmos ao peito. Quanto mais vulnerabilidades tiverem, mais dificuldades enfrentarão ao longo da vida.
“Para alguns adultos com educação superior, o sentido de sucesso como pais depende das conquistas de estrelato dos seus filhos. Este não é um peso saudável para as crianças. Nem para os pais. Ao moldar a próxima geração, os pais deveriam ponderar: prestígio, poder, privilégio… A que preço?” — Suniya S. Luthar