Servir o Estado

Frederico II, apelidado de “o Grande”, foi rei da Prússia entre 1740 e 1786. Conhecido pelas suas capacidades militares e por modernizar o seu país, expandiu os territórios prussianos ao mesmo tempo que promoveu importantes reformas administrativas e culturais. A sua governação destacou-se pelo fortalecimento do estado e pelo papel central que desempenhou na Europa do século XVIII.

Nasceu depois do fim da Guerra dos 30 anos, durante a qual se estima que entre 4 e 8 milhões de pessoas perderam a sua vida, civis e militares, em batalha e de fome. Este antecedente bélico importa para explicar a postura de tolerância religiosa que praticou na Prússia, permitindo que as diversas comunidades religiosas pudessem praticar as suas crenças sem perseguição, fomentando até a imigração de muitas comunidades, o que conduziu ao crescimento económico, cultural e científico da Prússia.

Para este monarca absolutista iluminado, o Estado era uma instituição central para o desenvolvimento da nação. E mais revelador ainda, era como se referia ao seu papel de governante: ele via-se como “o primeiro servo do Estado”, referindo-se ao seu compromisso direto com o Estado e com os cidadãos. Do governante cujo poder emana da sua função primordial de servir a comunidade, e não de se servir dela.

Frederico II surge assim em total oposição ao posicionamento do rei francês Luís XIV, que algumas décadas antes colocou o Estado ao seu próprio e exclusivo serviço, cristalizado na sua intemporal expressão “L’État c’est moi”, “O Estado sou eu”.

Esta justaposição entre Frederico II e Luís XIV serve para ilustrar a importância do exemplo que emana do topo das cadeias de decisão política. Da importância que as instituições do Estado têm em criar e respeitar regras de conduta para toda a sociedade. Desde o respeito em não furar filas de atendimento, passando pelo respeito em não falar mais alto que os interlocutores, até à total restrição do uso de violência verbal ou física em discussões; em todos estes casos os exemplos “vêm de cima”.

Não podemos ficar admirados que a agressividade rodoviária nas nossas vias aumente, ou que cresça a falta de paciência com quem dela mais precisa, ou mesmo que haja cada vez mais intolerância com quem parece ou soa diferente. É chocante que o Funchal seja palco de violência fruto de crimes xenófobos e racistas, como foi o caso ainda esta semana. Lemos relatos de jovens a atacar imigrantes, quando pensávamos que pudesse haver um automatismo na globalização que trouxesse logo maior tolerância às novas gerações.

Ler agressivamente uma lista de nomes de crianças no plenário da Assembleia da República só porque “soam estrangeiros”, expondo a sua identidade; ou mesmo vociferando palavrões indignos contra opositores políticos na ALRAM, são dois exemplos demasiado recentes de atuações que atentam contra as regras mais básicas de vida em comunidade. É por isso que é tão importante exigir rigor, respeito, tolerância e dignidade aos primeiros servos do Estado. Já não vivemos numa monarquia absolutista, por isso esses servos são plurais: já não é só um rei. Sentam-se no parlamento, no governo, nos conselhos de administração das empresas, nas direções dos jornais, nas dioceses, nos topos da administração pública, nas direções das ONGs. E a lista não termina aí. A responsabilidade coletiva paira sobre todos.

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