Há verdades inconvenientes que a política tem “empurrado com a barriga”, década após década. A mais gritante de todas estas é o atual modelo de financiamento das pensões, o qual está estruturalmente obsoleto. Baseia-se num contrato que já não existe: o de uma sociedade com muitos jovens, pleno emprego estável e crescimento demográfico contínuo. Ora, nenhum desses pressupostos subsiste hoje. E não, a solução não passa por obrigar os cidadãos a trabalhar até aos 70. O que se impõe é um novo contrato social, onde o direito a reformar-se com dignidade aos 60, ou até aos 55 em muitos casos, volte a ser uma realidade.
Defendo, pois, uma reforma estrutural do sistema de pensões nacional assente em três vetores complementares:
1.Uniformização do IVA para 27% e a sua afetação parcial com vista ao reforço do financiamento das pensões públicas,
2. Manutenção das contribuições sociais sobre o trabalho, mas com alívio progressivo a médio prazo,
3. Criação de um sistema nacional de poupança privada com incentivos fiscais robustos para fundos e para contribuintes.
Comecemos pelo essencial: a idade da reforma deve baixar, não subir. A produtividade média dos trabalhadores aumentou exponencialmente nas últimas décadas, impulsionada por avanços tecnológicos e organizacionais. O PIB/hora de hoje é muito superior ao PIB/hora de há 30 anos atrás. Por que motivo continuamos a exigir mais anos de contribuição, quando o valor criado por trabalhador é muito superior? A inteligência artificial e a automação intensivas aceleram essa tendência. Milhares de funções humanas serão parcial ou totalmente substituídas por algoritmos e robôs. A promessa de uma sociedade mais eficiente implica, necessariamente, repensar a distribuição do tempo de trabalho ao longo da vida. Não faz sentido manter milhões de pessoas em funções obsoletas ou sobrecarregar trabalhadores seniores, quando a tecnologia já libertou recursos para garantir uma reforma mais cedo.
Além disso, a narrativa de que o envelhecimento populacional exige que todos trabalhem mais tempo parte de uma falácia: que os mais velhos continuam produtivos e adaptáveis ao mercado em mudança. A realidade é outra. Muitos profissionais a partir dos 55 enfrentam desemprego crónico, discriminação etária ou incapacidade física para manter ritmos de trabalho intensivos, e quiçá futuramente obsoletos. A sua permanência forçada no mercado de trabalho não resulta em mais produtividade, mas sim em custos sociais disfarçados, como subsídios de desemprego, reformas antecipadas por invalidez e exclusão silenciosa.
A tese de que podemos “importar juventude” através de migração em massa também é limitada. O que temos assistido, em vários casos, é à entrada de mão-de-obra barata que reforça a base contributiva a curto prazo, mas que, em poucos anos, cria novas pressões sobre o sistema de segurança social. A solução não é demográfica; é económica e estrutural.
E aqui entra o IVA como instrumento central. Um IVA de 27% (como já existe na Hungria) canalizado em parte para um fundo nacional de pensões, permitiria aliviar o peso das contribuições sobre o trabalho, que penalizam a contratação e a formalização de emprego. Essa diversificação da base de financiamento torna o sistema mais robusto face a choques demográficos e tecnológicos. Naturalmente, tal medida exige compensações sociais para os mais pobres, nomeadamente através de isenções em bens essenciais e transferências diretas. Mas o saldo fiscal deverá ser positivo e estável.
Simultaneamente, é urgente criar um sistema de poupança para a reforma assente num pilar obrigatório, de caráter privado e profissional; e num outro pilar facultativo, com fortes incentivos fiscais, que permitam uma poupança complementar individual acessível e inclusiva. Ou seja, três pilares: um público, um privado obrigatório e um outro individual facultativo.
Em resumo, os atuais 34,75% (23,75% do empregador e 11% do trabalhador) seriam igualmente divididos entre o pilar público obrigatório e o pilar privado obrigatório, sendo o primeiro reforçado ainda com receita do IVA, como acima referido.
É tempo de fazer o que já deveríamos ter feito há vinte anos: preparar um modelo de pensões centrado nas pessoas, economicamente sólido, tecnologicamente atual e moralmente justo. E que respeite o princípio fundamental de qualquer Democracia Liberal: o direito a envelhecer com dignidade e não a falecer no posto de trabalho.