José Sócrates acusou hoje o também ex-primeiro-ministro António Costa de covardia por ter ficado em silêncio sobre o facto de ter sido ele quem lhe apresentou o ex-ministro Manuel Pinho.
“Eu convoco António Costa para que esta verdade seja clara. Foi ele que me apresentou Manuel Pinho. Não foi o Ricardo Salgado nenhum. E o que eu lamento, isso sim, (…) é que o doutor António Costa estivesse calado durante todos estes anos sobre essa verdade. Podia-a ter dito imediatamente”, disse José Sócrates à saída do tribunal.
Para o ex-ministro, a atitude de António Costa “é apenas covardia” e admite que o distanciamento em relação a António Costa lhe causou “algum sofrimento, mas isso foi há 10 anos, não agora”. “São águas passadas”, disse.
Segundo a acusação do Ministério Público (MP), Manuel Pinho, que foi ministro da Economia no Governo socialista de José Sócrates, terá sido indicado pelo ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES), Ricardo Salgado, para interceder no executivo em benefício dos interesses de Salgado.
“Eu não tinha nenhum conhecimento com o Ricardo Salgado. A minha relação com o Manuel Pinho começou justamente quando o doutor António Costa me apresentou”, disse Sócrates.
Esta informação já tinha sido confirmada por Manuel Pinho, pelo menos, em 2018, numa entrevista dada ao Expresso. “Foi António Costa quem nos apresentou”, disse na altura o antigo ministro da Economia, acrescentando que conheceu José Sócrates depois de um jogo do Euro 2004, que aconteceu no Estádio da Luz.
“Ele apresentou-me à saída José Sócrates”, acrescentou Manuel Pinho, que anos depois, em 2024, voltou a falar sobre o assunto durante o julgamento do caso EDP, em que era arguido juntamente com Ricardo Salgado e Alexandra Pinho, sua mulher.
Sobre a sessão de hoje, Sócrates disse sair do tribunal com “uma sensação de ‘déjà-vu’, de já ter visto este filme”, insistindo que já provou a sua inocência na fase de instrução e que o julgamento vai voltar a discutir tudo o que já foi discutido em três anos de instrução.
José Sócrates argumentou que “há uma nulidade absoluta” neste julgamento, uma vez que o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que sustenta a acusação em julgamento não pode legalmente ser encarado como um despacho de pronúncia.
“Não é. Isso é falso. (…) A Relação não pode pronunciar ninguém, nenhum cidadão, a não ser que seja procurador ou que seja juiz. Ora, eu não sou nem procurador, graças a Deus, nem juiz. E, portanto, não posso ser pronunciado pela Relação como elas [as juízas] pretendem. Isto é, as juízas estão aqui a manter um embuste”, disse Sócrates.
Tal como tinha feito à entrada, Sócrates afirmou que a acusação assenta na ideia de um “lapso de escrita” do MP, levando a uma alteração da qualificação dos crimes imputados apenas com o objetivo de manter a possibilidade de o levar a julgamento.
“Para quê? Para humilhar. Porque no fundo, no fundo, tudo isto tem um objetivo. O objetivo de todo este espetáculo é a humilhação”, disse.
Onze anos após a detenção de José Sócrates no aeroporto de Lisboa, arrancou hoje o julgamento da Operação Marquês, que leva a tribunal o ex-primeiro-ministro e mais 20 arguidos e conta com mais de 650 testemunhas.
Estão em causa 117 crimes, incluindo corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal, pelos quais serão julgados os 21 arguidos neste processo. Para já, estão marcadas 53 sessões que se estendem até ao final deste ano, devendo no futuro ser feita a marcação das seguintes e, durante este julgamento serão ouvidas 225 testemunhas chamadas pelo Ministério Público e cerca de 20 chamadas pela defesa de cada um dos 21 arguidos.