É preciso resgatar a política da indecência

O debate do ORAM e PIDDAR 2025, que decorreu entre 16 e 20 de junho, expôs de forma impiedosa a erosão ética que se propaga nas instituições públicas.

Este debate trouxe, já de início, um discurso algo altaneiro por parte de alguns intervenientes, onde vários dos representantes parlamentares mostraram o que de pior existe na política: que não se respeitam mutuamente e, em última instância, não respeitam quem representam. Esta dinâmica tornou-se tanto explosiva quanto reprovável ao longo do debate.

Para quem não tenha prestado atenção aos detalhes – o diabo está, realmente, nos detalhes –, houve um episódio que se tornou viral relativamente a um dos Exmos. Srs. Secretários. Este recorreu a expressões que me escuso a reproduzir, mas que todos sabemos quais são – a este respeito, o mínimo que se exige a uma ofensa verbal pública é o reconhecimento, humilde, do erro, e um pedido de desculpas verbal, público.

Estas expressões, estas palavras proferidas no seio da Assembleia Legislativa não são meros “apartes” nem “acontecem todos os dias (…) naquele contexto”, ou não deveriam acontecer. A tentativa de justificar as expressões utilizadas como “linguagem do dicionário” apenas agravou a situação. Estas palavras, protegidas por imunidade, são o espelho de uma cultura política que se degrada, alicerçada na impunidade e no desrespeito – não me refiro apenas ao Exmo. Sr. Secretário, mas a todos os deputados que, orgulhosamente, foram verbalizando provocações primárias uns aos outros. É, porventura, relevante relembrar que a Assembleia Legislativa tem um código de conduta.

Os episódios que marcaram este debate em particular revelam uma desconcertante inversão de valores em tempos onde o populismo e o radicalismo ameaçam a democracia. O Parlamento, a casa da democracia, tornou-se palco da linguagem do insulto e da agressão verbal – há muito tempo; esse é o problema. Esta não é uma questão de estilo pessoal, mas de princípios e valores, de carácter. A linguagem usada não é neutra – tem género, tem classe, tem poder. E quando é usada para inferiorizar mulheres no espaço político, revela que a luta pelos direitos das mulheres é cada vez mais importante.

Pela primeira vez na história da democracia da Madeira, temos uma mulher Presidente da Assembleia Legislativa da Madeira. Mas isso não foi suficiente para a defesa da honra dos visados. Disse e mantenho: é inaceitável que a Exma. Senhora Presidente da Assembleia Legislativa tenha mantido um silêncio institucional durante mais de 48 horas, independentemente das razões pelas quais o fez. É inaceitável que se continue a aceitar este tipo de comportamentos por parte dos nossos representantes e de quem ali tenha de prestar esclarecimentos. A ausência de uma posição firme e imediata nestas situações não é neutra; é permissiva. O silêncio é conivente quando se cala perante o abuso. É cúmplice quando se esconde atrás de um “comunicado de desculpas” para justificar que não devemos fazer disto “um facto político”. A ética institucional exige mais do que compromissos com a dignidade da Assembleia: exige coragem. Coragem para traçar o limite. Coragem para repudiar a cultura de permissividade institucional segundo a qual a agressão verbal e o insulto não são “factos políticos”, “acontecem todos os dias”.

Quando os representantes do povo banalizam a agressão verbal e os líderes das instituições optam pelo silêncio ou pela normalização do insulto, não estamos perante um incidente isolado – estamos perante um sistema político em risco.

É urgente resgatar a política da indecência. Exige-se, cada vez mais, a recuperação do conceito de que a política é um serviço público e não um privilégio pessoal.

Se continuarmos a falhar neste compromisso, estaremos a aceitar que o insulto vale mais do que o argumento e que a sede de poder suplanta a dignidade do cargo. E, nesse dia, como bem alertou Saramago, a pouca-vergonha deixará de ser exceção. Será, como afirmou o Exmo. Sr. Secretário, o que “acontece todos os dias”.

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